Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Carlos Nejar - Napoleão Bonaparte

Recorrendo à figura histórica de Napoleão Bonaparte (1769-1821), o falante empresta a voz ao famoso líder militar e imperador francês, em arguta ponderação sobre aspectos de sua biografia e identidade, de simples soldado a general, conflagrando quase um continente inteiro ao assumir, em paralelo, o posto político maior da nação europeia.

 

De massa de manobra, para forças muito além de seu controle, a centro do poder e de resoluções com interesses nem sempre congruentes; de um instrumento de batalha sob uma “ordem fatal” proveniente de um lugar misterioso, por todos designado como “gênio” ou “desespero”, a um César que se pretende “imperador dos reis”; segue o homem pelas frentes de campanha, até encontrar o seu “Waterloo”, tornando-se, a partir de então, “prisioneiro dos ingleses na ilha de Santa Helena”, num sofrimento a superar todas as glórias de suas vitórias, de suas conquistas e poderes mundanos, de seu império. E, por fim, a inexorabilidade da morte e do olvido.

 

J.A.R. – H.C.

 

Carlos Nejar

(n. 1939)

 

Napoleão Bonaparte

 

Fui Napoleão Bonaparte: ator

perdido no guerreiro,

estrategista efêmero

de mortos que subiam e desciam

na convulsão da terra.

 

Fui ator, às vezes general

na roda de batalhas,

o acampamento rude, era

um soldado entre outros.

Um soldado de ignotos

ritos, de uma ordem fatal

que vinha do que os homens

chamam gênio, ou desespero

de ter a forma humana,

embora um fogo o aniquile

e seja o pensamento frio

de ir engendrando deuses

e batalhas.

 

Pode um ator e personagem,

trocar em surdina seus papéis

e continuar a cena? Imperador

dos reis e prisioneiro dos ingleses

nesta Ilha de Santa Helena?

 

Uma agonia pertinaz me açula,

uma agonia, esta matilha.

Os mortos querem matar os vivos.

Mas quanto custa morrer.

 

Um furor de faca sobre

o estômago, um repuxo

de lâmina cortando,

um repuxo de jorros.

Como se gotas de veneno

se grudassem no sangue.

E a febre borbulhante

da agonia, as ervas negras.

 

A dor era maior que o reino

que tivera ou a vigília

dos tambores, ou Waterloo.

A dor de uma cama a outra.

O quarto, mundo submergindo.

De uma cama a outra.

 

E os lençóis não murchavam

os quadrantes desta morte

que me arqueava.

 

Quando a morte viu,

eu nela me deitava.

Principiei a dormir.

Com a minha cara.

E a máscara.

 

Napoleão em Santa Helena

(František Xaver Sandmann: artista franco-austríaco)

 

Referência:

 

NEJAR, Carlos. Napoleão Bonaparte. In: __________. Antologia poética de Carlos Nejar. Prefácio, organização e selecção de António Osório. 1. ed. Cascais, PT: Pergaminho, 2003. p. 156-157.

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