Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 29 de setembro de 2024

Mario Quintana - Soneto XVII

Nitidamente instilado de uma melancolia reptadora, este soneto de Quintana explora a ideia de como as experiências da vida podem alterar o estado de ânimo de uma pessoa, bem assim como, apesar de todas as adversidades, a sua luz interior – dir-se-ia melhor, a resistência do espírito – e a sua própria essência são capazes de perdurar, mesmo a despeito da morte iminente.

 

Desilusões, perdas, sofrimentos marcam-nos a alma, roubando-nos o sorriso, quase uma parte de nossos fundamentos, tornando-nos um “toco de vela, amarelada”, mas, seja como for, com uma “luz sagrada”, recordatória da humana aptidão para enfrentar a escuridão com firmeza e valentia, conduzindo à frente a tocha da espera por dias melhores.

 

J.A.R. – H.C.

 

Mario Quintana

(1906-1994)

 

Soneto XVII

 

Na vez primeira em que me assassinaram

Perdi um jeito de sorrir que eu tinha...

Depois, de cada vez que me mataram,

Foram levando qualquer coisa minha...

 

E hoje, dos meus cadáveres eu sou

O mais desnudo, o que não tem mais nada...

Arde um toco de vela, amarelada...

Como único bem que me ficou!

 

Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!

Ah! desta mão, avaramente adunca,

Ninguém há de arrancar-me a luz sagrada!

 

Aves da Noite! Asas do Horror! Voejai!

Que a luz, trêmula e triste como um ai,

A luz de um morto não se apaga nunca!

 

Em: “A Rua dos Cataventos” (1940)

 

Reminiscência Arqueológica do Ângelus de Millet

(Salvador Dalí: pintor espanhol)

 

Referência:

 

QUINTANA, Mário. Soneto XVII. In: __________. Poesia completa: em um volume. Organização, preparação do texto, prefácio e notas de Tania Franco Carvalhal. Rio de Janeiro, RJ: Nova Aguilar, 2006. p. 101. (Biblioteca Luso-Brasileira; Série Brasileira)

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