Andresen evoca
liricamente a cidade de Lisboa, convertendo o ato de nomeá-la em uma forma
pessoal e subjetiva de compreender sua essência e complexidade, seus segredos, contrastes,
dualidades, seus esforços para firmar identidade própria.
Lisboa: amplo espaço
urbano dominado pelas imagens do mar e pelos lastros históricos de um arrebatado
afã náutico, entre estadias e ausências; burgo que se expande a partir de seu próprio
nome, que se estabelece e se eleva na noite, com um resplendor azul e uma
paisagem de colinas amontoadas, numa atmosfera de encanto e de mistério.
Mesmo que ostensiva
em seus telhados, nas coberturas, nas construções que se entrelaçam, Lisboa não
se deixa revelar totalmente, porque o movimento e a flutuação contínuos pertencem-lhe
como alma, havendo muito mais do aparenta na superfície, de onde apenas se lhe
pode apreender o que se manifesta como performance e encenação.
J.A.R. – H.C.
Sophia de M. B.
Andresen
(1919-2004)
Lisboa
Digo:
“Lisboa”
Quando atravesso –
vinda do sul – o rio
E a cidade a que
chego abre-se
como se do seu nome nascesse
Abre-se e ergue-se em
sua extensão nocturna
Em seu longo luzir de
azul e rio
Em seu corpo
amontoado de colinas –
Vejo-a melhor porque
a digo
Tudo se mostra melhor
porque digo
Tudo mostra melhor o
seu estar e a sua carência
Porque digo
Lisboa com seu nome
de ser e de não-ser
Com seus meandros de
espanto insónia e lata
E seu secreto
rebrilhar de coisa de teatro
Seu conivente sorrir
de intriga e máscara
Enquanto o largo mar
a ocidente se dilata
Lisboa oscilando como
uma grande barca
Lisboa cruelmente
construída ao longo
da sua própria
ausência
Digo o nome da cidade
– Digo para ver
1977
Em: “Navegações”
(1983)
Alfama - Lisboa
(Elena Petrova
Gancheva: artista búlgara)
Referência:
ANDRESEN, Sophia de
Mello Breyner. Lisboa. In: __________. Obra poética. Prefácio de Maria
Andresen Sousa Tavares. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Tinta-da-China Brasil, 2018.
p. 723. (‘Grandes Escritores Portugueses’)
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