Eis aqui mais um
poema que nos leva a refletir sobre o poder das palavras na preservação da
memória e na construção de legados, envolto numa sugestiva atmosfera de
transição de um momento entre a luz e a escuridão, a simbolizar a passagem da
vida para a morte.
As palavras, diferentemente
das pessoas, perduram por mais tempo como vestígios dos que se foram, depois de
que tudo mais haja terminado, tendo em vista que o corpo, esse lugar solitário
e fugaz, mediante sua própria consciência, tem discernimento pleno de seu inexorável
destino – ser esquecido –, quase um atributo identitário de todo ser humano.
As palavras, esse
construto, essa estrutura a dar suporte à expressão e à comunicação, ainda que “mero
sopro” registrado numa folha em branco, é o que nos resta de mais sólido e durável,
pois, ainda que “etéreas”, algo impermanentes, mesmo assim têm elas a
capacidade de nos suceder, assumindo predicados perduráveis no tempo.
J.A.R. – H.C.
Paulo Henriques
Britto
(n. 1951)
Crepuscular, 6
No fim de tudo,
restam as palavras.
Na solidão do corpo,
no saber-se
apenas pasto para o esquecimento,
há sempre a semente
de alguma ilíada
mínima, promessa de
permanência
no mármore etéreo de
uma sílaba,
mesmo sendo mero
sopro, captado
na frágil arquitetura
do papel,
alvenaria de ar.
Restará
a palavra que
deixarmos no fim da
nossa história. Que a
julguem os outros,
que chegarão depois.
Mais tarde ainda.
Ao final, tudo
regressa
(Dervis Akdemir: artista
turco)
Referência:
BRITTO, Paulo Henriques. Crepuscular, 6. In: __________. Tarde: poemas. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2007. p. 88.
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