Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 8 de setembro de 2024

Paulo Henriques Britto - Crepuscular, 6

Eis aqui mais um poema que nos leva a refletir sobre o poder das palavras na preservação da memória e na construção de legados, envolto numa sugestiva atmosfera de transição de um momento entre a luz e a escuridão, a simbolizar a passagem da vida para a morte.

 

As palavras, diferentemente das pessoas, perduram por mais tempo como vestígios dos que se foram, depois de que tudo mais haja terminado, tendo em vista que o corpo, esse lugar solitário e fugaz, mediante sua própria consciência, tem discernimento pleno de seu inexorável destino – ser esquecido –, quase um atributo identitário de todo ser humano.

 

As palavras, esse construto, essa estrutura a dar suporte à expressão e à comunicação, ainda que “mero sopro” registrado numa folha em branco, é o que nos resta de mais sólido e durável, pois, ainda que “etéreas”, algo impermanentes, mesmo assim têm elas a capacidade de nos suceder, assumindo predicados perduráveis no tempo.

 

J.A.R. – H.C.

 

Paulo Henriques Britto

(n. 1951)

 

Crepuscular, 6

 

No fim de tudo, restam as palavras.

Na solidão do corpo, no saber-se

apenas pasto para o esquecimento,

 

há sempre a semente de alguma ilíada

mínima, promessa de permanência

no mármore etéreo de uma sílaba,

 

mesmo sendo mero sopro, captado

na frágil arquitetura do papel,

alvenaria de ar. Restará

 

a palavra que deixarmos no fim da

nossa história. Que a julguem os outros,

que chegarão depois. Mais tarde ainda.

 

Ao final, tudo regressa

(Dervis Akdemir: artista turco)

 

Referência:

 

BRITTO, Paulo Henriques. Crepuscular, 6. In: __________. Tarde: poemas. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2007. p. 88.

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