Num monólogo de si
para si, ou talvez melhor, num diálogo entre a consciência e sua alma, o
falante devaneia sobre o que há de lhe suceder (parafraseie-se: ao excêntrico e
meio pavônico naturalista provinciano), depois que houver transposto os umbrais
da morte, num hipotético paraíso onde nada do que lhe era de tanto valor muito
provavelmente existirá.
Se houvesse como uma
pessoa conservar a personalidade e as características individuais no paraíso,
haveria ela de deparar-se com a incompreensão e o assombro, ante a constatação
de que são fúteis as intenções de se aplicar as normas e as atividades
terrenais a um entorno celestial.
Ademais, quaisquer narrativas sobre o que ali se passa – ou que houver transcorrido
ao longo da vida neste plano de existência (prazeres, experiências com a beleza,
jucundos ofícios ou que tais) – não teriam auditório: tudo permanecerá no
domínio reservado de uma alma flébil e saudosa de “tempos idos e vividos”.
J.A.R. – H.C.
Vladimir Nabokov
(1899-1977)
In Paradise
My soul, beyond
distant death
your image I see like
this:
a provincial
naturalist,
an eccentric lost in
paradise.
There, in a glade, a
wild angel slumbers,
a semi-pavonian
creature.
Poke at it curiously
with your green
umbrella,
speculating how,
first of all,
you will write a
paper on it
then – But there are
no learned journals,
nor any readers in
paradise!
And there you stand,
not yet believing
your wordless woe.
About that blue
somnolent animal
whom will you tell,
whom?
Where is the world
and the labeled roses,
the museum and the
stuffed birds?
And you look and look
through your tears
at those unnamable
wings.
Berlin, 1927.
Natureza-morta com
crânio e bico de pena
(Pieter Claesz:
pintor holandês)
No Paraíso
Para além da distante
morte, alma minha,
vejo assim a tua
imagem:
um naturalista
provinciano,
um excêntrico perdido
no paraíso.
Lá, numa clareira, dormita
um anjo selvagem,
uma criatura meio
pavônica.
Espreita-o
curiosamente
com teu guarda-chuva esverdeado,
especulando como, antes
de qualquer coisa,
escreverás um ensaio
sobre ele,
e então... Mas não há
revistas eruditas,
nem quaisquer
leitores no paraíso!
E lá deixas-te estar,
sem que ainda acredites
no teu inexprimível infortúnio.
Sobre esse animal
azul e sonolento
a quem vais dar conta,
a quem?
Onde está o mundo e
as rosas etiquetadas,
o museu e os pássaros
empalhados?
E tu olhas e olhas,
através de tuas lágrimas,
para aquelas asas
inomináveis.
Berlim, 1927.
Referência:
NABOKOV, Vladimir. In
paradise. Translated from Russian to English by the author. In: __________. Selected
poems. A new selection edited by Thomas Karshan. New translations by Dmitri
Nabokov. New York, NY: Alfred A. Knopf, 2012. p. 81.
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