Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Vladimir Nabokov - No Paraíso

Num monólogo de si para si, ou talvez melhor, num diálogo entre a consciência e sua alma, o falante devaneia sobre o que há de lhe suceder (parafraseie-se: ao excêntrico e meio pavônico naturalista provinciano), depois que houver transposto os umbrais da morte, num hipotético paraíso onde nada do que lhe era de tanto valor muito provavelmente existirá.

 

Se houvesse como uma pessoa conservar a personalidade e as características individuais no paraíso, haveria ela de deparar-se com a incompreensão e o assombro, ante a constatação de que são fúteis as intenções de se aplicar as normas e as atividades terrenais a um entorno celestial.


Ademais, quaisquer narrativas sobre o que ali se passa – ou que houver transcorrido ao longo da vida neste plano de existência (prazeres, experiências com a beleza, jucundos ofícios ou que tais) – não teriam auditório: tudo permanecerá no domínio reservado de uma alma flébil e saudosa de “tempos idos e vividos”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Vladimir Nabokov

(1899-1977)

 

In Paradise

 

My soul, beyond distant death

your image I see like this:

a provincial naturalist,

an eccentric lost in paradise.

 

There, in a glade, a wild angel slumbers,

a semi-pavonian creature.

Poke at it curiously

with your green umbrella,

 

speculating how, first of all,

you will write a paper on it

then – But there are no learned journals,

nor any readers in paradise!

 

And there you stand, not yet believing

your wordless woe.

About that blue somnolent animal

whom will you tell, whom?

 

Where is the world and the labeled roses,

the museum and the stuffed birds?

And you look and look through your tears

at those unnamable wings.

 

Berlin, 1927.

 

Natureza-morta com crânio e bico de pena

(Pieter Claesz: pintor holandês)

 

No Paraíso

 

Para além da distante morte, alma minha,

vejo assim a tua imagem:

um naturalista provinciano,

um excêntrico perdido no paraíso.

 

Lá, numa clareira, dormita um anjo selvagem,

uma criatura meio pavônica.

Espreita-o curiosamente

com teu guarda-chuva esverdeado,

 

especulando como, antes de qualquer coisa,

escreverás um ensaio sobre ele,

e então... Mas não há revistas eruditas,

nem quaisquer leitores no paraíso!

 

E lá deixas-te estar, sem que ainda acredites

no teu inexprimível infortúnio.

Sobre esse animal azul e sonolento

a quem vais dar conta, a quem?

 

Onde está o mundo e as rosas etiquetadas,

o museu e os pássaros empalhados?

E tu olhas e olhas, através de tuas lágrimas,

para aquelas asas inomináveis.

 

Berlim, 1927.

 

Referência:

 

NABOKOV, Vladimir. In paradise. Translated from Russian to English by the author. In: __________. Selected poems. A new selection edited by Thomas Karshan. New translations by Dmitri Nabokov. New York, NY: Alfred A. Knopf, 2012. p. 81.

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