Eis aqui uma espécie
de chamado à ação e à preservação da identidade cultural, da memória de um povo,
de sua história – muito provavelmente as do Marrocos, pátria-mãe do poeta –,
ante a necessidade de não se esmorecer na luta, não se perder a esperança em
meio aos desafios sociopolíticos, mantendo-se ardente o espírito no combate ao
isolamento.
Nada de se render à amnésia
e à manipulação das reminiscências, à brutalidade quotidiana, à opressão e ao
desconsolo: é na adversidade que se concentra o potencial para a mudança e a
instauração da justiça, elementos primazes de beleza e restauro, verdadeiros
baluartes para dar voz às experiências silenciadas.
J.A.R. – H.C.
Tahar Ben Jelloun
(n. 1944)
Que mon peuple me
pardonne
Toi qui ne sais pas
lire
tiens mes poèmes
tiens mes livres
fais-en un feu pour
réchauffer tes solitudes
que chaque mot
alimente ta braise
que chaque souffle
dure dans le ciel qui s’ouvre
Toi qui ne sais pas
écrire
que ton corps et ton
sang me content l’histoire du pays
parle
Serait-ce illusion de
l’arc-en-ciel
que d’être de toi
de ce corps qu’on
mutile
Je lirai les livres à
l’envers
pour mieux lire un
champ de fleurs sur ton visage
Je parlerai la langue
du bois et de la terre
pour entrer dans la
foule qui se soulève
Je débarquerai dans
les blessures de ta mémoire
et j’habiterai ton
corps qui se tait
Nous dirons ensemble
le printemps aux enfants des terrains vagues
Nous dirons le soleil
moribond à l’astre qui se vide
Nous dirons changer
la vie à la montagne anonyme la montagne qui avance
Pendant qu’on classes
les affaires courantes
on danse sur le dos
uniforme d’hommes et de femmes
on rit et mange le
foie des mères en deuil
Nous retournerons la
bête défigurée aux archives des ministères
L’histoire n’a plus
l’intention de bouger
elle s’accroche aux
fibres de la mort
et préside la séance
d’ouverture à l’abattoir de la ville
Notre histoire est un
territoire de plaies que ferme un printemps d’euphorie
Souviens-toi
on s’en allait dans
les champs semer l’espoir
on retournait la
ville comme la terre enceinte
on découvrait des arbres
sauvages prêts à percer le ciel
et des milliers
d’épaules volontaires pour porter ce pays au faite du soleil
on croyait à l’aurore
diamantée
l’aube pointait à
l’appel des enfants
la rue dansait sur
nos bras
on oubliait que la
lumière pouvait enfanter une âme étrange
on se soûlait au feu
pour mieux enlacer le lustre du ciel
Et puis la ville et
le ciel se sont décomposés
la rêve brisé coulait
sa peine dans les ruelles désertes
Le peuple a ficelé
l’espoir à l’attente
allonge les vendredis
boit le rouge
fume le kif
mange les vers de
terre
et prend le soleil
les autres
mains et sexes
corrompus
jouent notre mémoire
au poker
notre mémoire se fane
notre mémoire
sommeille
Peuple
ma tête est lourde
elle est charogne
elle pue le verbe
elle tombe
Je la donne à la
vipère maudite
notre folie
notre colère
enlacées à la vipère
maudite.
Área do Mercado em
Marrakesh
(David Tanner:
artista norte-americano)
Que meu povo me
perdoe
Tu que não sabes ler
pega meus poemas
pega meus livros
faz deles uma fogueira
para aquecer tuas solidões
que cada palavra
alimente a tua brasa
que cada sopro se
perpetue no céu que se abre
Tu que não sabes
escrever
que teu corpo e teu
sangue me contem a história do país
fala
Seria ilusão do
arco-íris
ser apenas de ti
deste corpo mutilado
Eu lerei os livros ao
contrário
para ler melhor um
prado de flores sobre teu rosto
Eu falarei a língua
do campo e da terra
para entrar na
multidão que se rebela
Eu desembarcarei nas
feridas da tua memória
e habitarei teu corpo
que se cala
Nós anunciaremos
juntos a primavera às crianças dos terrenos baldios
Nós anunciaremos o
sol moribundo ao astro que se esvazia
Nós anunciaremos o
mudar da vida à montanha anônima que avança
Enquanto eles
despacham os assuntos corriqueiros
dançam sobre o dorso
uniforme de homens e de mulheres
riem e comem o fígado
das mães de luto
Devolveremos o bicho
desfigurado aos arquivos dos ministérios
A história não tem
mais intenção de se mover
ela se agarra às
fibras da morte
e preside a sessão de
abertura no abatedouro da cidade
Nossa história é um
território de chagas que uma primavera
de euforia encerra
Lembra-te
íamos pelos campos
semear a esperança
revolvíamos a cidade
como a terra grávida
descobríamos árvores
selvagens prontas para perfurar o céu
e milhares de ombros
voluntários para levar esse país aos píncaros do sol
acreditávamos na
aurora diamantina
a aurora despontava
ao chamado das crianças
a rua dançava em
nossos braços
esquecíamos que a luz
podia gerar alma estranha
embriagávamo-nos ao
fogo para melhor abraçar o brilho do céu
Em seguida a cidade e
o céu se descompuseram
o sonho partido
vertia seu desgosto nas ruelas desertas
O povo amarrou a
esperança na espera
prolonga as
sextas-feiras
bebe vinho
fuma kif
come vermes da terra
e pega o sol
Os outros
mãos e sexos
corrompidos
apostam nossa memória
no pôquer
nossa memória
envelhece
nossa memória cochila
Povo
minha cabeça está
pesada
ela é carniça
ela fede o verbo
ela cai
Eu a entrego à víbora
maldita
nossa loucura
nossa cólera
abraçadas à víbora
maldita.
Referência:
JELLOUN, Tahar Ben. Que mon peuple me pardonne / Que meu povo me perdoe. Tradução de Cláudia Falluh Balduino Ferreira. In: __________. As cicatrizes do Atlas. Seleção, tradução e introdução de Cláudia Falluh Balduino Ferreira. Brasília, DF: Editora da UnB, 2003. Em francês: p. 36, 38, 40 e 42; em português: p. 37, 39, 41 e 43. (Coleção ‘Poetas do Mundo’)
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