Ao expressar a luta e
a experiência da fome no contexto de uma cidade grande e próspera – a exemplo
de Nova York –, Ortiz busca retratar como a privação, tanto física quanto
emocional, encontra barreiras limitantes para saciá-la em meio a um entorno
urbano manifestamente conturbado, indiferente e impessoal.
A fome é tal como um
ser à procura de algo mais que comida, com necessidades emocionais de conexão e
de pertencimento, até mesmo de identidade cultural e de responsabilidade
perante a comunidade ao redor, longe do que somente restam ao famélico o vazio
e a fragilidade anímica – provações essas contra as quais o falante, como forma
de consolo e de socorro espiritual, recorre à conexão com a natureza e à
despretensão.
J.A.R. – H.C.
Simon J. Ortiz
(n. 1941)
Hunger In New York
City
Hunger crawls into
you
from somewhere out of
your muscles
or the concrete or
the land
or the wind pushing
you.
It comes to you,
asking
for food, words,
wisdom, young memories
of places you ate at,
drank cold spring water,
or held somebody’s
hand,
or home of the
gentle, slow dances,
the songs, the strong
gods, the world
you know.
That is, hunger
searches you out.
It always asks you,
How are you, son?
Where are you?
Have you eaten well?
Have you done what
you as a person
of our people is
supposed to do?
And the concrete of
this city,
the oily wind, the
blazing windows,
the shrieks of
automation cannot,
truly cannot, answer
for that hunger
although I have
hungered,
truthfully and
honestly, for them
to feed myself with.
So I sang to myself
quietly:
I am feeding myself
with the humble
presence
of all around me;
I am feeding myself
with your soul, my
mother earth;
make me cool and
humble.
Bless me.
In: “Going For the
Rain” (1976)
O Homem Faminto
(Emma Visca: artista
escocesa)
Fome em Nova York
A fome rasteja para
dentro de ti
a partir de algum
lugar fora dos teus músculos
ou do concreto ou da
terra
ou do vento que te
empurra.
Vem a ti, pedindo-te
comida, palavras,
sabedoria, frescas memórias
dos lugares onde
comeste, bebeste a fria água da fonte,
ou seguraste a mão de
alguém,
ou o lar das danças
suaves e lentas,
das canções, dos
deuses robustos, do mundo
que conheces.
Ou seja, a fome te
procura.
Pergunta-te sempre,
Como estás, filho?
Onde estás?
Tens te alimentado
bem?
Tens feito o que se
supõe que deves fazer
Como pessoa do nosso povo?
E o concreto desta
cidade,
o untuoso vento, as
janelas flamejantes,
os rangidos da
automação não podem,
de fato, não podem
responder a essa fome,
embora houvesse
desejado,
sincera e
honestamente,
que me servissem de
alimento.
Então, em quietude, cantei
para mim mesmo:
alimento-me
com a humilde
presença
de todos ao meu
redor;
alimento-me
com tua alma, minha
Mãe Terra;
torna-me sereno e
humilde.
Abençoa-me.
Em: “A Caminho da
Chuva” (1976)
Referência:
ORTIZ, Simon J. Hunger
in New York city. In: __________. Woven stone. Tucson, AZ: The
University of Arizona Press, 1992. p. 85-86.
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