Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Luís Filipe Parrado - Teoria da narrativa familiar

A chegada de um novo membro à família – no caso, uma irmãzinha – leva à necessidade de adaptações do falante a novas realidades, alterando a sua percepção e comportamento, digo melhor, à medida que cresceu e foi exposto às comoções da dinâmica familiar, aprendeu ele a mentir – ou bem ocultando a verdade ou bem apresentando-a em uma versão distorcida. “E isso... mudou tudo”!

 

Luta por direitos trabalhistas, de um lado, e provável trabalho doméstico não remunerado, do outro, configuram o contraste a compor a “mitologia privada do caos”, aditada pelos volteios de um cão sempre a definhar: diria o Nelson Rodrigues que tal é a vida como ela de fato é – e muitas das mentiras são o prato principal a se servir num repasto literário ficcional!

 

J.A.R. – H.C.

 

Luís Filipe Parrado

(n. 1968)

 

Teoria da narrativa familiar

 

Naquele tempo o meu pai trabalhava

por turnos

como herói socialista

no sector siderúrgico

e dormia com a minha mãe.

A minha mãe esfregava

a sarja encardida:

a água ficava da cor da ferrugem.

Havia, por perto, um cão

esgalgado,

sempre a rondar.

Depois, a minha irmã nasceu

e eu fui obrigado

a rever a minha mitologia privada do caos.

Entre uma coisa e outra

aprendi a mentir.

E isso, não sei se sabem, mudou tudo.

 

Duas crianças brincando com um cão

(Félicité Beaudin: pintora francesa)

 

Referência:

 

PARRADO, Luís Filipe. Teoria da narrativa familiar. Criatura, Lisboa (PT), Núcleo Autónomo Calíope da Faculdade de Direito de Lisboa & Associação Académica, n. 3, p. 119, abr. 2009.

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