Alpes Literários

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Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 14 de setembro de 2024

Mohammed Dib - Contraluz

Jogando com os polos do misterioso e do mundano, do espiritual e do terrenal, a voz lírica evoca, em meio aos vestígios que apreende à realidade, aquelas sensações arcanas e transmutadoras por trás das imagens de pássaros, de uma chama, do mar e de uma mulher, talvez projetadas na parede do quarto pelos reflexos do presumível lume de uma vela.

 

Perpassa o poema um certo matiz introspectivo ou espiritual, quase mórfico, que se difunde pelas metáforas empregadas – espontaneamente associáveis às ideias de imensidade e de transcendência –, ultimadas pelo regresso às instâncias do tangível, como se o falante, até então, estivesse a vogar nas asas da imaginação, numa espécie de prática meditativa que, ao fim e ao cabo, leva-o até um mar de tranquilidade e de quietude.

 

J.A.R. – H.C.

 

Mohammed Dib

(1920-2003)

 

Contre-jour

 

Les oiseaux apparaissent,

S’allume une flamme

Et c’est la femme;

 

Sans nom ni liens ni voile,

Errant les yeux clos,

La femme couverte de la fraîcheur de la mer.

 

Mais brusquement les oiseaux réapparaissent

Et s’allonge cette flamme

Plus qu’entr’aperçue au fond de la chambre.

 

Et c’est la mer,

La mer aux bras endormants portant le soleil,

Ni orient ni nord, ni obstacle ni barre, la mer;

 

Rien que la mer ténébreuse et douce

Tombée des étoiles, témoin des mutilations du ciel,

Solitude, pressentiments, chuchotis,

 

Rien que la mer,

Les yeux éteints,

Sans vague ni vent ni voile.

 

Brusquement les oiseaux réapparaissent;

Et c’est la femme,

Ni étoile ni rêve, ni geyser ni roue, la femme.

 

Les oiseaux reviennent;

Et rien que la mer.

 

Mulher e pássaro ao luar

(Joan Miró: pintor espanhol)

 

Contraluz

 

As aves surgem,

Acendese uma chama

Eis a mulher.

 

Sem nomes nem laços, nem véu

Errando de olhos fechados

A mulher sob a frescura do mar.

 

Mas bruscamente voltam as aves

E alongase esta chama

Mais do que entreapercebida no fundo do quarto.

 

E é o mar

O mar de braços adormecidos transportando o sol,

Nem oriente nem norte, nem obstáculo nem barra, o mar.

 

Nada, a não ser o mar tenebroso e doce

Caído das estrelas, testemunha das mutilações do céu,

Solidão, pressentimentos, sussurros.

 

Nada a não ser o mar.

Os olhos extintos

Sem vaga, nem vento, nem vela.

 

Bruscamente de novo as aves,

E eis a mulher

Nem estrela nem sonho, nem géiser, nem roda, a mulher.

 

As aves voltam

E nada mais que o mar.

 

Referências:

 

Em Francês

 

DIB, Mohammed. Contre-jour. In: LÉVI-VALENSI, Jacqueline; BENCHEIKH, Jamel-Eddine (Éds.). Diwan algérien: la poésie algérienne d’expression française de 1945 à 1965. Alger (DZ): Société Nationale d’Édition et de Diffusion (SNED), 1967. p. 83.

 

Em Português

 

DIB, Mohammed. Contraluz. Tradução de Adalberto Alves. In: MONTEIRO, Manuel Hermínio (Direcção editorial); CORREIA, Manuela (Organização). Rosa do mundo: 2001 poemas para o futuro. Vários poetas e tradutores. 3. ed. Lisboa, PT: Assírio & Alvim, 2001. p. 15771578.

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