Jogando com os polos do
misterioso e do mundano, do espiritual e do terrenal, a voz lírica evoca, em
meio aos vestígios que apreende à realidade, aquelas sensações arcanas e transmutadoras
por trás das imagens de pássaros, de uma chama, do mar e de uma mulher, talvez projetadas
na parede do quarto pelos reflexos do presumível lume de uma vela.
Perpassa o poema um
certo matiz introspectivo ou espiritual, quase mórfico, que se difunde pelas
metáforas empregadas – espontaneamente associáveis às ideias de imensidade e de
transcendência –, ultimadas pelo regresso às instâncias do tangível, como se o
falante, até então, estivesse a vogar nas asas da imaginação, numa espécie de
prática meditativa que, ao fim e ao cabo, leva-o até um mar de tranquilidade e
de quietude.
J.A.R. – H.C.
Mohammed Dib
(1920-2003)
Contre-jour
Les oiseaux
apparaissent,
S’allume une flamme
Et c’est la femme;
Sans nom ni liens ni
voile,
Errant les yeux clos,
La femme couverte de
la fraîcheur de la mer.
Mais brusquement les
oiseaux réapparaissent
Et s’allonge cette
flamme
Plus qu’entr’aperçue
au fond de la chambre.
Et c’est la mer,
La mer aux bras
endormants portant le soleil,
Ni orient ni nord, ni
obstacle ni barre, la mer;
Rien que la mer
ténébreuse et douce
Tombée des étoiles,
témoin des mutilations du ciel,
Solitude,
pressentiments, chuchotis,
Rien que la mer,
Les yeux éteints,
Sans vague ni vent ni
voile.
Brusquement les
oiseaux réapparaissent;
Et c’est la femme,
Ni étoile ni rêve, ni
geyser ni roue, la femme.
Les oiseaux
reviennent;
Et rien que la mer.
Mulher e pássaro ao
luar
(Joan Miró: pintor
espanhol)
Contraluz
As aves surgem,
Acende‑se uma chama
Eis a mulher.
Sem nomes nem laços,
nem véu
Errando de olhos
fechados
A mulher sob a
frescura do mar.
Mas bruscamente
voltam as aves
E alonga‑se esta chama
Mais do que
entreapercebida no fundo do quarto.
E é o mar
O mar de braços
adormecidos transportando o sol,
Nem oriente nem
norte, nem obstáculo nem barra, o mar.
Nada, a não ser o mar
tenebroso e doce
Caído das estrelas,
testemunha das mutilações do céu,
Solidão, pressentimentos,
sussurros.
Nada a não ser o mar.
Os olhos extintos
Sem vaga, nem vento,
nem vela.
Bruscamente de novo
as aves,
E eis a mulher
Nem estrela nem
sonho, nem géiser, nem roda, a mulher.
As aves voltam
E nada mais que o
mar.
Referências:
Em Francês
DIB, Mohammed. Contre-jour.
In: LÉVI-VALENSI, Jacqueline; BENCHEIKH, Jamel-Eddine (Éds.). Diwan algérien:
la poésie algérienne d’expression française de 1945 à 1965. Alger (DZ): Société
Nationale d’Édition et de Diffusion (SNED), 1967. p. 83.
Em Português
DIB, Mohammed.
Contraluz. Tradução de Adalberto Alves. In: MONTEIRO, Manuel Hermínio (Direcção
editorial); CORREIA, Manuela (Organização). Rosa do mundo: 2001 poemas
para o futuro. Vários poetas e tradutores. 3. ed. Lisboa, PT: Assírio &
Alvim, 2001. p. 1577‑1578.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário