Eis a Morte: essa “Cosmocrata”
a enfatizar nestes versos, monológica e satiricamente, o seu imparcial, atemporal
e universal domínio sobre os seres vivos, apesar de todo o progresso e avanço
tecnológico da humanidade – aliás, nem sempre equilibrado, bastando ver os seus
excessos, v.g., a existência de “automóveis em número superior ao que é
possível estacionar”.
Pouco lhe importam a
crença religiosa, a posição social, a raça ou a riqueza de cada qual – ela
chega inexoravelmente para todos: com humor negro, faz troça dos inglórios esforços
dos médicos e de seus artifícios e mentiras para atenuar ou retardar o avanço do
quadro clínico de seus pacientes, bem assim dos dispendiosos eufemismos dos agentes
funerários. A Morte, sob tal perspectiva, é a senhora do ponto final de
todas as histórias de vida!
J.A.R. – H.C.
W. H. Auden
(1907-1973)
Recitative by Death
Ladies and gentlemen,
you have made most remarkable
Progress, and
progress, I agree, is a boon;
You have built more
automobiles than are parkable,
Crashed the
sound-barrier, and may very soon
Be setting up juke-boxes
on the Moon:
But I beg to remind
you that, despite all that,
I, Death, still am
and will always be Cosmocrat.
Still I sport with
the young and daring; at my whim,
The climber steps
upon the rotten boulder,
The undertow catches
boys as they swim,
The speeder steers
onto the slippery shoulder:
With others I wait
until they are older
Before assigning,
according to my humor,
To one a coronary, to
one a tumor.
Liberal my views upon
religion and race;
Tax-posture,
credit-rating, social ambition
Cut no ice with me.
We shall meet face to face,
Despite the drugs and
lies of your physician,
The costly euphemisms
of the mortician:
Westchester matron
and Bowery bum,
Both shall dance with
me when I rattle my drum.
In: “Thank You, Fog”
(Posthumous, 1974)
O Triunfo da Morte
(Pieter Bruegel, o
Velho: pintor flamengo)
Recitativo à Morte
Damas e cavalheiros,
tendes logrado o mais notável
Progresso, e o
progresso, concordo, é uma dádiva;
Haveis construído
mais autos do que é possível estacionar,
Rompido a barreira do
som, e podereis, muito em breve,
Instalar na Lua
reprodutores musicais operados por moedas:
Mas peço-vos para recordardes
que, apesar de tudo isso,
Eu, a Morte, ainda
sou e sempre serei Cosmocrata.
Sigo a divertir-me
com os jovens e ousados; a meu talante,
O alpinista apoia os
pés em uma rocha escarvada,
A ressaca vai de
encontro aos meninos enquanto nadam,
O velocista dirige-se
ao acostamento escorregadio:
Com os outros, espero
até que fiquem mais velhos
Ante de lhes atribuir,
de acordo com o meu humor,
A este uma coronária,
àquele um abscesso.
Liberais são meus
pontos de vista sobre religião e raça;
Postura tributária, classificação
creditícia, ambição social
Não me afetam. Sei que
nos veremos face a face,
Apesar dos fármacos e
das mentiras do vosso médico,
Dos dispendiosos
eufemismos do agente funerário:
Matrona de Westchester
e malandro de Bowery,
Ambos hão de dançar
comigo ao rufar de meu tambor.
In: “Obrigado, nevoeiro”
(Póstumo, 1974)
Referência:
AUDEN, W. H. Recitative
by death. In: __________. The complete works of W. H. Auden: poems, volume
II: 1940-1973. Appendices and notes by Edward Mendelson. Princeton, NJ:
Princeton University Press, 2022. p. 704.
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