Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 6 de agosto de 2024

W. H. Auden - Recitativo à Morte

Eis a Morte: essa “Cosmocrata” a enfatizar nestes versos, monológica e satiricamente, o seu imparcial, atemporal e universal domínio sobre os seres vivos, apesar de todo o progresso e avanço tecnológico da humanidade – aliás, nem sempre equilibrado, bastando ver os seus excessos, v.g., a existência de “automóveis em número superior ao que é possível estacionar”.

 

Pouco lhe importam a crença religiosa, a posição social, a raça ou a riqueza de cada qual – ela chega inexoravelmente para todos: com humor negro, faz troça dos inglórios esforços dos médicos e de seus artifícios e mentiras para atenuar ou retardar o avanço do quadro clínico de seus pacientes, bem assim dos dispendiosos eufemismos dos agentes funerários. A Morte, sob tal perspectiva, é a senhora do ponto final de todas as histórias de vida!

 

J.A.R. – H.C.

 

W. H. Auden

(1907-1973)

 

Recitative by Death

 

Ladies and gentlemen, you have made most remarkable

Progress, and progress, I agree, is a boon;

You have built more automobiles than are parkable,

Crashed the sound-barrier, and may very soon

Be setting up juke-boxes on the Moon:

But I beg to remind you that, despite all that,

I, Death, still am and will always be Cosmocrat.

 

Still I sport with the young and daring; at my whim,

The climber steps upon the rotten boulder,

The undertow catches boys as they swim,

The speeder steers onto the slippery shoulder:

With others I wait until they are older

Before assigning, according to my humor,

To one a coronary, to one a tumor.

 

Liberal my views upon religion and race;

Tax-posture, credit-rating, social ambition

Cut no ice with me. We shall meet face to face,

Despite the drugs and lies of your physician,

The costly euphemisms of the mortician:

Westchester matron and Bowery bum,

Both shall dance with me when I rattle my drum.

 

In: “Thank You, Fog” (Posthumous, 1974)

 

O Triunfo da Morte

(Pieter Bruegel, o Velho: pintor flamengo)

 

Recitativo à Morte

 

Damas e cavalheiros, tendes logrado o mais notável

Progresso, e o progresso, concordo, é uma dádiva;

Haveis construído mais autos do que é possível estacionar,

Rompido a barreira do som, e podereis, muito em breve,

Instalar na Lua reprodutores musicais operados por moedas:

Mas peço-vos para recordardes que, apesar de tudo isso,

Eu, a Morte, ainda sou e sempre serei Cosmocrata.

 

Sigo a divertir-me com os jovens e ousados; a meu talante,

O alpinista apoia os pés em uma rocha escarvada,

A ressaca vai de encontro aos meninos enquanto nadam,

O velocista dirige-se ao acostamento escorregadio:

Com os outros, espero até que fiquem mais velhos

Ante de lhes atribuir, de acordo com o meu humor,

A este uma coronária, àquele um abscesso.

 

Liberais são meus pontos de vista sobre religião e raça;

Postura tributária, classificação creditícia, ambição social

Não me afetam. Sei que nos veremos face a face,

Apesar dos fármacos e das mentiras do vosso médico,

Dos dispendiosos eufemismos do agente funerário:

Matrona de Westchester e malandro de Bowery,

Ambos hão de dançar comigo ao rufar de meu tambor.

 

In: “Obrigado, nevoeiro” (Póstumo, 1974)

 

Referência:

 

AUDEN, W. H. Recitative by death. In: __________. The complete works of W. H. Auden: poems, volume II: 1940-1973. Appendices and notes by Edward Mendelson. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2022. p. 704.

Nenhum comentário:

Postar um comentário