Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Rainer Maria Rilke - Os Anjos

A retratar os anjos de um modo inusitado e sugestivo, este poema de Rilke descreve-os como tendo “lábios cansados” e “almas brilhantes sem orlas”, espelhando, a um só tempo, a previsível forma de pureza e de transcendência, conjugada a algum desgaste ou fadiga, como se cansados de seu papel de intermediários entre o divino e o mundo.

 

Como partes integrantes do vasto plano de Deus, os anjos preenchem os espaços entre as notas do Criador, esse escultor a moldar o mundo por meio daqueles “despertadores de vento” – um conceito que, como sabemos, ressoa a valer em nossa tradição religiosa –, isto quando os anjos não resolvem ascender a alturas nunca dantes descortinadas...

 

É que há algo nos versos do poeta a insuflar a ideia de que os anjos experimentam anseios que, em certo sentido, assemelham-se à busca por pecado, revelando-lhes um desejo inerente, que lhes é próprio – ainda que, em essência, sejam eles celestiais –, como se reconhecessem que têm o potencial – “humano, demasiado humano” – para seguirem o mesmo caminho trilhado por Satã!

 

J.A.R. – H.C.

 

Rainer Maria Rilke

(1875-1926)

 

Die Engel

 

Sie haben alle müde Münde

und helle Seelen ohne Saum.

Und eine Sehnsucht (wie nach Sünde)

geht ihnen manchmal durch den Traum.

 

Fast gleichen sie einander alle;

in Gottes Gärten schweigen sie,

wie viele, viele Intervalle

in seiner Macht und Melodie.

 

Nur wenn sie ihre Flügel breiten,

sind sie die Wecker eines Winds:

als ginge Gott mit seinen weiten

Bildhauerhänden durch die Seiten

im dunklen Buch des Anbeginns.

 

In: “Das Buch der Bilder” (1902 und 1906)

 

Cupido e Psiquê, infantes

(William-Adolphe Bouguereau: pintor francês)

 

Os Anjos

 

Têm todos bocas cansadas

e almas claras, sem orla.

E passa-lhes por vezes pelos sonhos

uma saudade (como de pecado).

 

Parecem-se quase todos uns aos outros;

estão calados nos jardins de Deus,

como muitos, muitos intervalos

no seu poderio e melodia.

 

Só quando desdobram as asas

é que despertam qualquer vento:

como se Deus, com as suas largas

mãos de estatuário, passasse

as folhas do escuro Livro dos Princípios.

 

Em: “O Livro das Imagens” (1902 e 1906)

 

Referências:

 

Em Alemão

 

RILKE, Rainer Maria. Die engel. In: __________. Gesammelte gedichte. Frankfurt am Main, DE: Insel-Verlag, 1962. s. 136-137.

 

Em Português

 

RILKE, Rainer Maria. Os anjos. Tradução de Paulo Quintela. In: QUINTELA, Paulo. Obras completas. Vol. 3: Traduções II. Introdução de Ludwig Scheidl. Organização de Ludwig Scheidl et alii, 1. ed. Lisboa, PT: Fundação Calouste Gulbenkian; Serviço de Educação, 1998. p. 64.

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