Em um mundo
aparentemente despojado de valores, o falante sai em busca de algo que faça
diferença a partir de um quê profundo, subterrâneo, misterioso, capaz de lhe permitir
apreciar a pureza em meio à vida tumultuosa, o essencial e o inquebrantável nas
entrelinhas do caótico.
Sofrimento e dor são
assimilados pela via de um ritual interno, a impactar o estado de consciência,
consciência que nem sempre se mostra hábil para apreender certos pensamentos
complexos e, amiúde, de difícil intelecção, tanto mais quando o poder das
palavras não possui a suficiente magnitude para desenredá-los satisfatoriamente.
Ao fim e ao cabo, uma
espécie de rechaço ao amor, fundamentado na percepção de que o contexto não
revela nada que valha a pena, de que o cenário difunde tintas de vazio e de desolação
– um mundo em ruínas.
J.A.R. – H.C.
Antonio Gamoneda
(n. 1931)
Incandescencia y
ruinas
I
Yo invoco la cabeza
más sagrada que
exista
debajo de la nieve.
Mi corazón azul
canta purificado por
el silencio.
II
Vándalo de pureza,
hostígame. Si hablas,
yo bajaré mis labios
hasta el agua
salvaje.
De aquella gruta
donde
abrasa la frescura,
ha de surgir un rey
sucio de profecías.
Oh corazón que ves
en toda oscuridad,
cuándo estaremos
ciegos
en luz, cuándo
hablarás,
habitante del fuego.
III
Un perro milagroso
come en mi corazón.
Ceremonia salvaje:
mi dolor se incorpora
al perro enamorado.
IV
En la cavidad que
sabes,
suena una voz. Lengua
fría,
tú, que silbas en la noche,
metal vivo de
palabras,
dime, loco ruiseñor
del invierno, dime,
tú,
que quizá participas
de una materia
luminosa,
a quién anuncias ya
además de a la
muerte.
V
Anticanto de amor,
quién te beberá,
quién
pondrá la boca en
esta
espuma prohibida.
Quién, qué dios, qué
enloquecidas alas
podrán venir, amar
aquí.
Donde no hay nada.
Ruínas sob a neve
(François Hurtubise:
artista canadense)
Incandescência e
ruínas
I
Invoco a cabeça
mais sagrada que
exista
sob a neve.
Meu coração azul
canta purificado pelo
silêncio.
II
Vândalo de pureza,
fustiga-me. Se falas,
inclinarei meus
lábios
até a água selvagem.
Daquela gruta onde
abrasa o frescor,
há de surgir um rei
sujo de profecias.
Ó coração que vês
em toda escuridão,
à altura em que cegos
estaremos
perante a luz –
quando falarás,
habitante do fogo.
III
Um cão milagroso
come em meu coração.
Cerimônia selvagem:
minha dor se
incorpora
ao cão apaixonado.
IV
Na cavidade que
conheces,
soa uma voz. Língua
fria,
tu, que silvas na
noite,
metal vivo de
palavras,
diz-me, louco
rouxinol
do inverno, diz-me,
tu,
que talvez partilhes
de uma matéria
luminosa,
a quem já anuncias
para além da morte.
V
Anticanto de amor,
quem te beberá, quem
porá a boca nesta
espuma proibida.
Quem, que deus, que
enlouquecidas asas
poderão vir, amar
aqui.
Onde não há nada.
Referência:
GAMONEDA, Antonio. Incandescencia
y ruinas. In: __________. Esta luz: poesía reunida (1947-2004).
Epílogo de Miguel Casado. Barcelona, ES: Círculo de Lectores / Galaxia
Gutenberg, 2004. p. 636-638.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário