Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 13 de agosto de 2024

Jacques Brault - Borda da história

O poeta acerca-se de uma pedra para apresentá-la como um elemento com carga simbólica, desgastada pelo pó, decerto um testemunho silencioso da história e dos acontecimentos ocorridos ao seu redor, sem nunca ter-se chocado contra ninguém, o que nos leva a deduzir sobre o seu estado de solidão ou de isolamento, à margem da vida ativa e pejada de alheias emoções.

 

O falante, de fato, detém-se a cotejar as contingências de uma pedra – sempre serena e estável, sem prazeres ou temores, enfermidades ou curas – às dos seres humanos: aquela, “completamente de pedra e sem neuroses”; estes, às voltas com as suas complexidade e lutas internas, vezes sem conta assolados por dúvidas e preocupações.

 

Mas ao fim, nada se subtrai ao cadinho das transformações: mais cedo ou mais tarde, pode-se esperar que se cumpra o destino natural de todas as coisas, quer se nos apresentem mediante a mera superficialidade de suas aparências físicas, quer se nos oculte o que se passa por baixo da derme, a saber, a agônica voragem dos presuntivos embaraços emocional, espiritual ou mental.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jacques Brault

(1933-2022)

 

Borne de l’histoire

 

um caillou épuisé de poussière

jamais n’a heurté personne

 

il porte son poids en marge

de bruits des espaces des espoirs

 

tout de pierre et sans névrose

il ne demeure qu’en lui-même

 

gel pluie éclair d’été ne font pas ses délices

ni novembre sa frayeur immobile

 

il ne souffre pas ne guérit pas

au temps hagard il fait défaut

 

huître éponge ou méduse

il finira par s’enfoncer recouvrance

 

dans les pays de cendre et patience

ceux-là seuls ont une âme

sur la peau

 

Dans: “La poésie ce matin” (1971)

 

Pedras misteriosas na praia

(Andres Pleesi: artista estoniano)

 

Borda da história

 

um cascalho esgotado de pó

nunca esbarrou em ninguém

 

carrega seu peso à margem

de ruídos espaços esperanças

 

tudo em pedra e sem neurose

ele só fica em si mesmo

 

gelo chuva luz de verão não o deliciam

nem novembro seu temor impassível

 

não sofre tampouco cura

com o tempo indócil ele falha

 

ostra esponja ou medusa

acabará soçobrando melhora

 

em países de cinza e paciência

apenas estes têm alma

sob a pele

 

Em: “A poesia esta manhã” (1971)

 

 

Referência:

 

BRAULT, Jacques. Borne de l’histoire / Borda da história. Tradução de Álvaro Faleiros. In: __________. Nas sendas de Jacques Brault: antologia de poemas (1965-2006). Prefácio, seleção e tradução de Álvaro Faleiros. Brasília, DF: Editora da UnB, 2021. Em francês: p. 118; em português: p. 119. (Coleção ‘Poetas do mundo’)

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