O poeta acerca-se de
uma pedra para apresentá-la como um elemento com carga simbólica, desgastada
pelo pó, decerto um testemunho silencioso da história e dos acontecimentos ocorridos
ao seu redor, sem nunca ter-se chocado contra ninguém, o que nos leva a deduzir
sobre o seu estado de solidão ou de isolamento, à margem da vida ativa e pejada
de alheias emoções.
O falante, de fato, detém-se
a cotejar as contingências de uma pedra – sempre serena e estável, sem prazeres
ou temores, enfermidades ou curas – às dos seres humanos: aquela, “completamente
de pedra e sem neuroses”; estes, às voltas com as suas complexidade e lutas internas,
vezes sem conta assolados por dúvidas e preocupações.
Mas ao fim, nada se
subtrai ao cadinho das transformações: mais cedo ou mais tarde, pode-se esperar
que se cumpra o destino natural de todas as coisas, quer se nos apresentem
mediante a mera superficialidade de suas aparências físicas, quer se nos oculte
o que se passa por baixo da derme, a saber, a agônica voragem dos presuntivos embaraços
emocional, espiritual ou mental.
J.A.R. – H.C.
Jacques Brault
(1933-2022)
Borne de l’histoire
um caillou épuisé de
poussière
jamais n’a heurté
personne
il porte son poids en
marge
de bruits des espaces
des espoirs
tout de pierre et sans
névrose
il ne demeure qu’en
lui-même
gel pluie éclair
d’été ne font pas ses délices
ni novembre sa
frayeur immobile
il ne souffre pas ne
guérit pas
au temps hagard il
fait défaut
huître éponge ou méduse
il finira par
s’enfoncer recouvrance
dans les pays de
cendre et patience
ceux-là seuls ont une
âme
sur la peau
Dans: “La poésie ce
matin” (1971)
Pedras misteriosas na
praia
(Andres Pleesi:
artista estoniano)
Borda da história
um cascalho esgotado
de pó
nunca esbarrou em
ninguém
carrega seu peso à
margem
de ruídos espaços
esperanças
tudo em pedra e sem
neurose
ele só fica em si
mesmo
gelo chuva luz de
verão não o deliciam
nem novembro seu
temor impassível
não sofre tampouco
cura
com o tempo indócil
ele falha
ostra esponja ou
medusa
acabará soçobrando
melhora
em países de cinza e
paciência
apenas estes têm alma
sob a pele
Em: “A poesia esta
manhã” (1971)
Referência:
BRAULT, Jacques. Borne
de l’histoire / Borda da história. Tradução de Álvaro Faleiros. In: __________.
Nas sendas de Jacques Brault: antologia de poemas (1965-2006). Prefácio,
seleção e tradução de Álvaro Faleiros. Brasília, DF: Editora da UnB, 2021. Em
francês: p. 118; em português: p. 119. (Coleção ‘Poetas do mundo’)
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