Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Gonzalo Rojas - Cama com espelhos

Um mandarim envolto na multiplicidade de experiências, em sua busca de significado e transcendência, empreende ações diversas sobre uma cama com espelhos, de onde se inferem as dimensões simbólicas de autorreflexão e de contemplação do próprio ser em suas múltiplas facetas, lançando-o para além dos aspectos mundanos da vida – o sentido erótico, obviamente, aí incluso –, das luzes contrastantes de cima e de baixo, ou ainda, das forças interagentes e contrapostas do yin e do yang, perdidas na origem da existência.

 

A rigor, adquirida por Rojas na China, o leito com espelhos, a desencadear imagens vívidas e tons filosóficos na mente do poeta, presta-se a dar ênfase ao quanto de mistério há no mundo não captado pelo olhar humano, ou mesmo, a nos incitar a não ignorarmos o espesso verniz de indefinição de nossas verdades últimas.

 

J.A.R. – H.C.

 

Gonzalo Rojas

(1916-2011)

 

Cama con espejos

 

Ese mandarín hizo de todo en esta cama con espejos, con dos espejos:

hizo el amor, tuvo la arrogancia

de creerse inmortal, y tendido aquí miró su rostro por los pies,

y el espejo de abajo le devolvió el rostro de lo visible;

así desarrolló una tesis entre dos luces: el de arriba

contra el de abajo, y acostado casi en el aire

llegó a la construcción de su gran vuelo de madera.

La estridencia de los días y el polvo seco del funcionario

no pudieron nada contra el encanto portentoso:

ideogramas carnales, mariposas de alambre distinto, fueron muchas y muchas

las hijas del cielo consumidas entre las llamas

de aquestos dos espejos lascivos y sonámbulos

dispuestos en lo íntimo de dos metros, cerrados el uno contra el otro:

el uno para que el otro le diga al otro que el Uno es el Principio.

Ni el yin ni el yang, ni la alternancia del esperma y de la respiración

lo sacaron de esta liturgia, las escenas eran veloces

en la inmovilidad del paroxismo: negro el navío navegaba

lúcidamente en sus aceites y el velamen de sus barnices,

y una corriente de aire de ángeles iba de lo Alto a lo Hondo

sin reparar en que lo Hondo era lo Alto para el seso

del mandarín. Ni el yin ni el yang, y esto se pierde en el Origen.

 

Pekín, 1971

 

Diante do Espelho

(Édouard Manet: pintor francês)

 

Cama com espelhos

 

Esse mandarim fez de tudo nesta cama com espelhos, com dois espelhos:

fez amor, teve a arrogância

de se crer imortal, e estendido aqui olhou seu rosto pelos pés,

e o espelho de baixo devolveu a ele o rosto do visível;

assim desenvolveu uma tese entre duas luzes: o de cima

contra o de baixo, e deitado quase no ar

chegou à construção de seu grande voo de madeira.

A estridência dos dias e o pó seco do funcionário

não conseguiram nada contra o encanto portentoso:

ideogramas carnais, borboletas de arame distinto, foram muitas e muitas

as filhas do céu consumidas entre as chamas

destes dois espelhos lascivos e sonâmbulos

dispostos no íntimo de dois metros, fechados um contra o outro:

um para que o outro diga ao outro que o Um é o Princípio.

Nem o yin nem o yang, nem a alternância do esperma e da respiração

o tiraram desta liturgia, as cenas eram velozes

na imobilidade do paroxismo: negro o navio navegava

lucidamente em seus óleos e no velame de seus vernizes,

e uma corrente de ar de anjos ia do Alto ao Fundo

sem reparar que o Fundo era o Alto para os miolos

do mandarim. Nem o yin nem o yang, e isto se perde na Origem.

 

Pequim, 1971

 

Referência:

 

ROJAS, Gonzalo. Cama con espejos / Cama com espelhos. Tradução de Eric Nepomuceno. In: __________. Antologia poética de Gonzalo Rojas. Tradução de Eric Nepomuceno. Edição bilíngue: Espanhol x Português. Brasília, DF: Editora da UnB, 2018. Em espanhol: p. 66; em português: p. 67. Disponível neste endereço. Acesso em: 28 jul. 2024.

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