A linguagem se funde ao
silêncio, e os lábios, que costumavam dar voz às palavras, agora estão
retornando ao alento, à pura respiração: a perda do gosto pelas palavras e a
confissão de ser apenas uma imagem sugerem uma sensação de desapego do falante
em relação à realidade e uma busca por formas de expressão que não incorram no meramente
dispensável.
O tempo avança e baldados
são os esforços para detê-lo: lembranças se esvaem e o que resta é uma sensação
oca de recordações, de perda, mesmo diante de algo tão inamovível quanto a
terra, à qual o ente lírico sente-se limitado em seu afã por renovação e
crescimento, sua identidade a dissolver-se na vastidão do mundo natural, com o
qual, de todo modo, pode entrar em comunhão, para sublimar-se a um estado que
transcenda as precárias circunscrições do viver.
J.A.R. – H.C.
Octávio Mora
(1933-2012)
Dissolução no Corpo
Dissolve-se-me o
rosto.
Os lábios, ao
silêncio, de regresso,
ao hálito a
linguagem:
não sinto o gosto
que tinham as palavras.
E, confesso:
sou só imagem.
Perco a lembrança,
oca,
de tudo que recordo.
Posso estar
com a terra a meus
pés
que será pouca
para tudo que ando ao
arrastar
suas marés.
Sempre a terra
consegue
adiante de todos os
meus passos
estar: inamovível.
Passiva: entregue.
Sob os meus pés e
longe dos meus braços:
em outro nível.
São seus rios meus
rastos.
Deixo sobre seu rosto
minha face
já sem identidade.
Busco outros pastos.
Preso a seus gestos
ficará, quem nasce,
em liberdade.
Dissolve-se-me a voz.
Ao silêncio geral
estou de volta:
com água pela testa
e os cegos nós
de quem, árvore,
fica, se as mãos solta,
preso à floresta.
Corpo em decomposição
(Pedro Deczuta: artista
brasileiro)
Referência:
MORA, Octávio.
Dissolução no corpo. In: FIGUEIREDO, José Valle de (Compilador). Antologia
da poesia brasileira. Lisboa, PT: Editorial Verbo, s/d [197?]. p. 211.
❁
Amei!
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