O poeta irlandês propõe-nos
a questão do que representaria deixarmos de ser humanos, cessando de viver a
única vida de que estamos cientes, tentando ser donos de nossos próprios
destinos: em vez de buscarmos autodeterminação no mundo, por que não nos
expormos às suas vontades e aos seus caprichos, nem que seja para conhecermos
como o tempo afeta os objetos – naturais ou artificiais, quedos ou inorgânicos –
à nossa volta, apartados que estão de quaisquer ponderações de ordem axiológica?!
Veja-se que o título
sugere a conduta de parar, de deter, de pôr fim a um determinado modo de pensar
ou de agir, sendo o poema dedicado ao dramaturgo Samuel Beckett (1906-1989) –
irlandês como Montague –, bastante conhecido por explorar temas existenciais e
filosóficos em suas obras, com aquele seu peculiar pessimismo acerca do
fenômeno humano.
Com alguma conexão
com o mote do poema, lembrei-me do artigo “Como é ser um morcego?”, por meio do
qual o filósofo sérvio Thomas Nagel (n. 1937) nos incita a especular sobre experiências
com as quais jamais entraremos em contato direto, por exemplo, como seria “enxergar”
uma coisa com os ouvidos, uma vez que os morcegos têm o dom da ecolocalização
que nós, humanos, não possuímos?!... Em linha com Nagel: “Como é ser uma árvore?”, nos indagaria
o poeta!
J.A.R. – H.C.
John Montague
(1929-2016)
To cease
for Samuel Beckett
To cease
to be human.
To be
a rock down
which rain pours,
a granite jaw
slowly discoloured.
Or a statue
sporting a giant’s
beard
of verdigris or rust
in some forgotten
village square.
A tree worn
by the prevailing
winds
to a diagram of
tangled branches:
gnarled, sapless,
alone.
To cease
to be human
and let birds soil
your skull, animals
rest
in the crook of your
arm.
To become
an object, honoured
or not, as the
occasion demands;
while time bends you
slowly
back to the ground.
A praça da aldeia
(Frank Thompson:
artista inglês)
Deixar
A Samuel Beckett
Deixar
de ser humano.
Ser
uma pedra por onde
a chuva resvala,
um cânion de granito
a descolorir
lentamente.
Ou uma estátua
a ostentar uma barba
de gigante
erodida por azinhavre
ou ferrugem
em alguma esquecida
praça de aldeia.
Uma árvore desgastada
pelos ventos
dominantes
reduzida a um
diagrama de
galhos emaranhados:
retorcida, desseivada,
solitária.
Deixar
de ser humano
e permitir que os
pássaros sujem
teu crânio, os
animais pousem
na dobra de teu
braço.
Tornar-te
um objeto, honrado
ou não, a depender da
ocasião;
enquanto o tempo te inclina lentamente
de volta à terra.
Referência:
MONTAGUE, John. To
cease. In: __________. Selected poems. Toronto, CA: Exile Editions,
1991. p. 73.
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