Como se tivesse uma
força vital ou essência compartilhada com as amoras que, aos poucos, vai
colhendo, a falante dá-nos conta de uma sensação de perturbação ou de
inquietação que então lhe desconforta: em meio ao irresistível fascínio pelos
prazeres da vida, não deixa ela de reconhecer o efeito corrosivo do tempo, com
a consequente impermanência de tudo quanto existe.
Os versos justapõem
imagens contrastantes, fornecendo ao leitor a ideia de um misto de assombro,
contemplação e introspecção, ante o encontro de um simples agir humano em
concomitância ao correr das forças da natureza – como a da vastidão do mar – e,
mais extensivamente, do mundo ao redor, o que nos leva a refletir sobre a nossa
agridoce e enigmática jornada, sempre permeada por imprevistos.
J.A.R. – H.C.
Sylvia Plath
(1932-1963)
Nobody in the lane, and nothing, nothing but
blackberries,
Blackberries on either side, though on the right
mainly,
A blackberry alley, going down in hooks, and a sea
Somewhere at the end of it, heaving. Blackberries
Big as the ball of my thumb, and dumb as eyes
Ebon in the hedges, fat
With blue-red juices. These they squander on my
fingers.
I had not asked for such a blood sisterhood; they
must love me.
They accommodate themselves to my milkbottle,
flattening their sides.
Overhead go the choughs in black, cacophonous
flocks –
Bits of burnt paper wheeling in a blown sky.
Theirs is the only voice, protesting, protesting.
I do not think the sea will appear at all.
The high, green meadows are glowing, as if lit from
within.
I come to one bush of berries so ripe it is a bush
of flies,
Hanging their bluegreen bellies and their wing
panes in a Chinese screen.
The honey-feast of the berries has stunned them;
they believe in heaven.
One more hook, and the berries and bushes end.
The only thing to come now is the sea.
From between two hills a sudden wind funnels at
me,
Slapping its phantom laundry in my face.
These hills are too green and sweet to have tasted
salt.
I follow the sheep path between them. A last hook
brings me
To the hills’ northern face, and the face is orange
rock
That looks out on nothing, nothing but a great
space
Of white and pewter lights, and a din like
silversmiths
Beating and beating at an intractable metal.
Colheita de amoras
(Elizabeth Forbes:
artista canadense)
Colher amoras
Ninguém nas veredas e
nada, nada além das amoras,
Amoras de ambos os lados,
embora mais à direita
Uma aleia de amoras
descendo em curva e um mar
Se alçando lá no fim.
Amoras
Grandes como o meu
polegar e a silenciar como olhos
De ébano nas sebes,
gordas
De sumo
azul-vermelho. O sumo esbanjam entre meus dedos.
Eu não pedira esta
fraternidade de sangue: – elas na certa me amam.
E se acomodam em meu
jarro, achatando-se os lados.
No alto, as gralhas
negras, revoada cacofônica
– Pedaços de papel
queimado girando num céu a pleno.
E delas a única voz
protestando, protestando...
Acho que o mar não
aparecerá.
As campinas altas e
verdes resplandecem como acesas por dentro.
Chego a um arbusto
cheio de amoras tão maduras que o arbusto é de moscas
Pendentes, suas
barrigas verde-azuladas e os vitrais das asas numa tela chinesa.
A festa de mel das
amoras alvoroçou-as. Elas acreditam no céu.
Uma curva mais:
amoras e arbustos terminam.
Tudo o que vem agora
é o mar.
De entre dois morros
uma súbita brisa se afunila em direção a mim
E me esbofeteia a
face.
Esses montes são muito
verdes e doces para quem provou sal.
Entre eles, sigo a
trilha das ovelhas. Numa última curva
Alcanço a face norte
dos montes, cor de laranja e rocha
E a face olha para
nada, nada exceto um grande espaço
De luzes brancas
metálicas; nada exceto um ruído de ferramentas sobre a prata,
Os golpes e golpes
contra um metal intratável.
Referência:
PLATH, Sylvia. Blackberrying
/ Colher amoras. Tradução de Jorge Wanderley. In: WANDERLEY, Jorge (Seleção,
tradução e notas). Antologia da nova poesia norte-americana. Edição
bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1992. Em inglês: p. 278 e
280; em português: p. 279 e 281.
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