Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 24 de agosto de 2024

Sylvia Plath - Colher amoras

Como se tivesse uma força vital ou essência compartilhada com as amoras que, aos poucos, vai colhendo, a falante dá-nos conta de uma sensação de perturbação ou de inquietação que então lhe desconforta: em meio ao irresistível fascínio pelos prazeres da vida, não deixa ela de reconhecer o efeito corrosivo do tempo, com a consequente impermanência de tudo quanto existe.

 

Os versos justapõem imagens contrastantes, fornecendo ao leitor a ideia de um misto de assombro, contemplação e introspecção, ante o encontro de um simples agir humano em concomitância ao correr das forças da natureza – como a da vastidão do mar – e, mais extensivamente, do mundo ao redor, o que nos leva a refletir sobre a nossa agridoce e enigmática jornada, sempre permeada por imprevistos.

 

J.A.R. – H.C.

 

Sylvia Plath

(1932-1963)

 

Blackberrying

 

Nobody in the lane, and nothing, nothing but blackberries,  

Blackberries on either side, though on the right mainly,

A blackberry alley, going down in hooks, and a sea

Somewhere at the end of it, heaving. Blackberries

Big as the ball of my thumb, and dumb as eyes

Ebon in the hedges, fat

With blue-red juices. These they squander on my fingers.

I had not asked for such a blood sisterhood; they must love me.

They accommodate themselves to my milkbottle, flattening their sides.

 

Overhead go the choughs in black, cacophonous flocks –

Bits of burnt paper wheeling in a blown sky.

Theirs is the only voice, protesting, protesting.

I do not think the sea will appear at all.

The high, green meadows are glowing, as if lit from within.

I come to one bush of berries so ripe it is a bush of flies,

Hanging their bluegreen bellies and their wing panes in a Chinese screen.

The honey-feast of the berries has stunned them; they believe in heaven.  

One more hook, and the berries and bushes end.

 

The only thing to come now is the sea.

From between two hills a sudden wind funnels at me,  

Slapping its phantom laundry in my face.

These hills are too green and sweet to have tasted salt.

I follow the sheep path between them. A last hook brings me  

To the hills’ northern face, and the face is orange rock  

That looks out on nothing, nothing but a great space  

Of white and pewter lights, and a din like silversmiths  

Beating and beating at an intractable metal.

 

Colheita de amoras

(Elizabeth Forbes: artista canadense)

 

Colher amoras

 

Ninguém nas veredas e nada, nada além das amoras,

Amoras de ambos os lados, embora mais à direita

Uma aleia de amoras descendo em curva e um mar

Se alçando lá no fim. Amoras

Grandes como o meu polegar e a silenciar como olhos

De ébano nas sebes, gordas

De sumo azul-vermelho. O sumo esbanjam entre meus dedos.

Eu não pedira esta fraternidade de sangue: – elas na certa me amam.

E se acomodam em meu jarro, achatando-se os lados.

 

No alto, as gralhas negras, revoada cacofônica

– Pedaços de papel queimado girando num céu a pleno.

E delas a única voz protestando, protestando...

Acho que o mar não aparecerá.

As campinas altas e verdes resplandecem como acesas por dentro.

Chego a um arbusto cheio de amoras tão maduras que o arbusto é de moscas

Pendentes, suas barrigas verde-azuladas e os vitrais das asas numa tela chinesa.

A festa de mel das amoras alvoroçou-as. Elas acreditam no céu.

Uma curva mais: amoras e arbustos terminam.

 

Tudo o que vem agora é o mar.

De entre dois morros uma súbita brisa se afunila em direção a mim

E me esbofeteia a face.

Esses montes são muito verdes e doces para quem provou sal.

Entre eles, sigo a trilha das ovelhas. Numa última curva

Alcanço a face norte dos montes, cor de laranja e rocha

E a face olha para nada, nada exceto um grande espaço

De luzes brancas metálicas; nada exceto um ruído de ferramentas sobre a prata,

Os golpes e golpes contra um metal intratável.

 

Referência:

 

PLATH, Sylvia. Blackberrying / Colher amoras. Tradução de Jorge Wanderley. In: WANDERLEY, Jorge (Seleção, tradução e notas). Antologia da nova poesia norte-americana. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1992. Em inglês: p. 278 e 280; em português: p. 279 e 281.

Nenhum comentário:

Postar um comentário