Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 10 de agosto de 2024

João Cabral de Melo Neto - O artista inconfessável

Eis aqui o poeta, outra vez, às voltas com o propósito e o sentido da criação artística, fundo a investigar sobre o paradoxo de se criar e criar, a despeito da aparente inutilidade do empreendimento, estando o artista consciente desse fútil mister, tudo porque, a seu ver, ação e inação, independentemente da escolha que se faça entre uma ou outra opção, não carregam qualquer valor ou significado inerente.

 

E se o poeta segue a redigir os seus poemas, presume-se que assuma como válida a sua iniciativa em prol da Lírica, ainda que o “discurso poético” possa se mostrar “difícil” ao leitor “Ninguém” (raro ou mesmo inexistente, afinal, o público a que se destina é cada vez mais esparso!) ou que não seja receptivo à arte da poesia ou às suas diversas formas de composição e de expressão.

 

J.A.R. – H.C.

 

João Cabral de Melo Neto

(1920-1999)

 

O artista inconfessável

 

Fazer o que seja é inútil.

Não fazer nada é inútil.

Mas entre fazer e não fazer

mais vale o inútil do fazer.

Mas não, fazer para esquecer

que é inútil: nunca o esquecer.

Mas fazer o inútil sabendo

que ele é inútil, e bem sabendo

que é inútil e que seu sentido

não será sequer pressentido,

fazer: porque ele é mais difícil

do que não fazer, e dificil-

mente se poderá dizer

com mais desdém, ou então dizer

mais direto ao leitor Ninguém

que o feito o foi para ninguém.

 

Em: “Museu de Tudo” (1975)

 

O compasso é o ato de se olhar para trás

(Brian Kwon: artista norte-americano)

 

Referência:

 

MELO NETO, João Cabral de. O artista inconfessável. In: __________. A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1997. p. 58.

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