Eis aqui o poeta,
outra vez, às voltas com o propósito e o sentido da criação artística, fundo a
investigar sobre o paradoxo de se criar e criar, a despeito da aparente
inutilidade do empreendimento, estando o artista consciente desse fútil mister,
tudo porque, a seu ver, ação e inação, independentemente da escolha que se faça
entre uma ou outra opção, não carregam qualquer valor ou significado inerente.
E se o poeta segue a
redigir os seus poemas, presume-se que assuma como válida a sua iniciativa em prol
da Lírica, ainda que o “discurso poético” possa se mostrar “difícil” ao leitor “Ninguém”
(raro ou mesmo inexistente, afinal, o público a que se destina é cada vez mais
esparso!) ou que não seja receptivo à arte da poesia ou às suas diversas formas
de composição e de expressão.
J.A.R. – H.C.
João Cabral de Melo
Neto
(1920-1999)
O artista
inconfessável
Fazer o que seja é
inútil.
Não fazer nada é
inútil.
Mas entre fazer e não
fazer
mais vale o inútil do
fazer.
Mas não, fazer para esquecer
que é inútil: nunca o
esquecer.
Mas fazer o inútil
sabendo
que ele é inútil, e
bem sabendo
que é inútil e que
seu sentido
não será sequer
pressentido,
fazer: porque ele é
mais difícil
do que não fazer, e
dificil-
mente se poderá dizer
com mais desdém, ou
então dizer
mais direto ao leitor
Ninguém
que o feito o foi
para ninguém.
Em: “Museu de Tudo”
(1975)
O compasso é o ato de
se olhar para trás
(Brian Kwon: artista
norte-americano)
Referência:
MELO NETO, João
Cabral de. O artista inconfessável. In: __________. A educação pela pedra e
depois. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1997. p. 58.
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