Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 18 de agosto de 2024

Paulo Bomfim - Reencarnação

Neste poema aberto e passível de diferentes interpretações, Bomfim reflete sobre a natureza da existência humana e sua relação com a morte e a eternidade: em seus versos, vida e morte ocorrem na rotineira sequência de noites e dias, na qual ocorreria uma espécie de óbito e de renascimento simbólicos.

 

Durante o sono, tem-se a sensação de que uma porta se abre para o mundo dos mortos, como se o mais profundo do ser se desvanecesse a cada chegada do poente, numa visão onírica, quase surreal, a abraçar a ideia de inevitabilidade da morte ou, o que dá no mesmo, de transitoriedade da vida, esta última sempre a fluir em meio a tribulações e desafios.

 

Porém, com a eclosão da aurora, o falante experimenta uma renovação, ao encarar o passado em silêncio e deparar-se com o sol, como se fosse a primeira vez, numa atitude de abertura ao novo, impelido por uma vontade de enfrentar o que se lhe apresenta a cada dia com um sentido de assombro e de admiração.

 

J.A.R. – H.C.

 

Paulo Bomfim

(1926-2019)

 

Reencarnação

 

Morro com os dias.

Cada noite é uma viagem

Pelo reino dos mortos,

Uma flor que se despetala

Em meus dedos exangues,

Uma vida que perco

Entre ângulos de fogo.

Cada manhã guardo silêncio

Ante o que fui,

Descubro o sol pela primeira vez,

E deixo que a carne envolva

O mistério dos ossos,

E os ossos suportem meus caules brancos,

Botões de eternidade.

 

Reencarnação

(Leonid Afremov: pintor israelense)

 

Referência:

 

BOMFIM, Paulo. Reencarnação. In: __________. Antologia poética. São Paulo, SP: Livraria Martins Editora, ago. 1962. p. 108.

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