Neste poema aberto e passível
de diferentes interpretações, Bomfim reflete sobre a natureza da existência humana
e sua relação com a morte e a eternidade: em seus versos, vida e morte ocorrem
na rotineira sequência de noites e dias, na qual ocorreria uma espécie de óbito
e de renascimento simbólicos.
Durante o sono,
tem-se a sensação de que uma porta se abre para o mundo dos mortos, como se o
mais profundo do ser se desvanecesse a cada chegada do poente, numa visão onírica,
quase surreal, a abraçar a ideia de inevitabilidade da morte ou, o que dá no
mesmo, de transitoriedade da vida, esta última sempre a fluir em meio a tribulações
e desafios.
Porém, com a eclosão da
aurora, o falante experimenta uma renovação, ao encarar o passado em silêncio e
deparar-se com o sol, como se fosse a primeira vez, numa atitude de abertura ao
novo, impelido por uma vontade de enfrentar o que se lhe apresenta a cada dia
com um sentido de assombro e de admiração.
J.A.R. – H.C.
Paulo Bomfim
(1926-2019)
Reencarnação
Morro com os dias.
Cada noite é uma
viagem
Pelo reino dos
mortos,
Uma flor que se
despetala
Em meus dedos
exangues,
Uma vida que perco
Entre ângulos de fogo.
Cada manhã guardo
silêncio
Ante o que fui,
Descubro o sol pela
primeira vez,
E deixo que a carne
envolva
O mistério dos ossos,
E os ossos suportem
meus caules brancos,
Botões de eternidade.
Reencarnação
(Leonid Afremov: pintor
israelense)
Referência:
BOMFIM, Paulo.
Reencarnação. In: __________. Antologia poética. São Paulo, SP: Livraria
Martins Editora, ago. 1962. p. 108.
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