Num mundo a impor expectativas,
ainda que sob uma moldura de limitações, a falante anseia por resgatar a vitalidade
e a sinceridade da infância, enquanto questiona as construções artificiais e os
ideais ilusórios da sociedade: a tranquilidade em cenários bucólicos não lhe
basta, pois que suas aspirações poéticas, o potencial de sua expressão lírica, vão
bem além das promessas nela vislumbradas.
Nesse sentido, o
poema acaba por afirmar que a condição humana consiste em “despojar-se”, no
caso, mesmo em relação à percepção do mundo e sua forma de expressão herdada por
influência social ou cultural, ou de outro modo, deixando ir as máscaras, as convenções
e as antevidências grupais, tudo em busca de se alcançar um modelo de conduta mais
autêntico e verdadeiro.
J.A.R. – H.C.
Hilda Hilst
(1930-2004)
Quase Bucólicas
(I)
Entre cavalos e
verdes pensei meu canto.
Entre paredes,
murais, lamentos, ais
(Um cenário acanhado
para o canto
E triste
Se o que dele se
espera é até demais)
Pretendi cantar mais
alto que entre os verdes
E encantar
O meu sentir cansado
Naquele melhor sentir
de quando era menina.
Vontade de voltar às
minhas fontes primeiras.
De colocar meus mitos
outra vez
Nos lugares antigos e
sorrir
Como a ti te sorri,
minha mãe, a vez primeira.
Vontade de esquecer o
que aprendi:
Os castelos lendários
são paisagens
Onde os homens se
aquecem. Sós. Sumários
Porque da condição do
homem, é o despojar-se.
A Manhã
(Jules Breton: pintor
francês)
Referência:
HILST, Hilda. Quase
bucólicas (I). In: __________. Exercícios. 1. ed. São Paulo, SP:
MEDIAfashion, 2012. p. 159. (Coleção Folha ‘Literatura Ibero-americana’; v. 24)
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