Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Jean de La Fontaine - Invocação à Volúpia

Muitos se deixam levar pela voluptuosidade, sinônimo primeiro do prazer sensual e dos desejos sensoriais – força vital a afetar nossas existências da infância à morte –, numa busca irrefreável por prazer e satisfação: o empenho por glória e fama, por conquistas, por regalos à mesa, e, até mesmo, por beleza nos elementos da natureza ou das artes são outros tantos veios, mencionados pelo falante, a convergirem para o deleite dos sentidos.

 

Nessa esteira, a voz lírica faz do poema um convite à volúpia, para que ganhe espaço em seus dias, amplificando as suas inclinações pelos livros, pelo amor, pela música, pela diversão, pela vida urbana e rural, assim como por qualquer outra forma de prazer, tudo para enredar suas ações, aspirações e percepções num enlevo que se pretende longevo.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jean de La Fontaine

(1621-1695)

(por Hyacinthe Rigaud: detalhe)

 

Invocation à la Volupté

 

O douce Volupté, sans qui, des notre enfance

Le vivre et le mourir nous deviendraient égaux;

Aimant universel de tous les animaux,

Que tu sais attirer avec violence!

Par toi tout se meut ici-bas.

C’est pour toi, c’est pour tes appas

Que nous courons après la peine;

Il n’est soldat ni capitaine

Ni ministre d’Etat, ni prince, ni sujet,

Qui ne t’ait pour unique objet.

Nous autres nourrissons, si, pour fruit de nos veilles,

Un bruit délicieux ne charmait nos oreilles,

Si nous ne nous sentions chatouillés de ce son,

Ferions-nous um mot de chanson?

Ce qu’on appelle gloire en termes magnifiques,

Ce qui servait de prix dans les Jeux Olympiques,

N’est que toi, proprement, divine Volupté.

Et le plaisir des sens n’est-il de rien compté?

Pourquoi sont faits les dons de Flore,

Le soleil couchant et l’aurore,

Pomone et ses mets délicats,

Bacchus, l’âme des bons repas,

Les forêts, les eaux, les prairies,

Mères des douces rêveries?

Pourquoi tant de beaux arts qui sont tous tes enfants?

Mais pourquoi les Chloris aux appas triomphants

Que pour maintenir ton commerce?

J’entends innocemment: sur son propre désir

Quelque rigueur que l’on exerce,

Encore y prend-on du plaisir.

 

Volupté, Volupté, qui fus jadis maîtresse

Du plus bel esprit de la Grèce,

Ne me dédaigne pas, viens-t’um loger chez moi;

Tu n’y seras pas sans emploi;

J’aime le jeu, l’amour, les livres, la musique,

La ville et la campagne, enfin tout; il n’est rien

Qui ne me soit souverain bien,

Jusqu’au sombre plaisir d’um coeur mélancolique.

Viens donc; et de ce bien, ô douce Volupté,

Veux-tu savoir au vrai la mesure certaine?

Il m’um faut au moins um siècle bien compté;

Car trente ans, ce n’est pas la peine.

 

A Sensualidade

(Pompeo Batoni: pintor italiano)

 

Invocação à Volúpia

 

Sem ti, doce Volúpia, o viver e o morrer

Teriam, desde o berço, idêntico valor:

De toda a criação, universal pendor,

Com que força fatal, tu consegues prender!

Tudo, por ti, aqui se passa.

Por tua causa e tua graça,

A duras penas todos vão:

Não há soldado, capitão,

Nem fidalgo, plebeu, nem Ministro de Estado,

Que em ti não tenha o olhar pregado

Das Musas na afeição, se, de serões nascido,

Um agradável som não nos encanta o ouvido,

E se ele não nos traz amena sensação,

Tentamos nós uma canção?

O que, pomposamente, é chamado de glória

E, nos jogos d’Olimpo, exalçava a vitória.

Precisamente, és tu. Volúpia divinal.

E seu preço não tem o prazer sensual?

E então por que os dons de Flora,

O pôr-do-sol, a linda Aurora,

Pomona e seus finos manjares,

Baco, razão dos bons jantares,

Florestas, fontes, pradarias,

Mães de fagueiras fantasias?

Belas artes, por quê? de quem és a nascente,

Por que tanta beldade, amável, atraente,

Se não pra vires, até nós, sempre morar?

Eis o meu parecer, por mais procure alguém

O seu desejo castigar,

Algum prazer inda lhe vem.

 

Ó Volúpia gentil, que, na Grécia de outrora,

De um pensador foste senhora,

Não me desprezes não: vem à minha morada,

Não ficarás sem fazer nada:

Amo os livros, o amor, música e diversão,

Cidade, campo, enfim; o mundo nada tem

Que não me seja enorme bem,

Mesmo o aflito prazer de um triste coração.

Vem, pois, e desse bem, ó Volúpia querida,

Queres então saber a medida acertada?

Pelo menos preciso uns cem anos de vida,

Pois trinta só é quase nada...

 

Referência:

 

LA FONTAINE, Jean de. Invocation à la volupté / Invocação à volúpia. Tradução de Cláudio Veiga. In: VEIGA, Cláudio (Organização, seleção e tradução). Antologia da poesia francesa: do século IX ao século XX. Edição bilíngue: francês x português. 2. ed. ampliada. Rio de Janeiro, RJ: Record; Salvador, BA: Secretaria da Cultura e do Turismo, 1999. Em francês: p. 116 e 118; em português: p. 117 e 119.

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