Alpes Literários

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Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Cassiano Ricardo - Psicoautógrafo

Às voltas com a sua própria identidade e essência individual, o poeta permite-nos entrever a luta interna que trava entre o ser real e a percepção que os demais têm dele: autenticidade e singularidade antes de tudo – percebe-se –, apesar das adversidades e das mudanças na vida, dos sofrimentos e desfigurações, pois que quando se encontra despojado de pretensões e superficialidades, sente-se o falante mais ele mesmo.

 

A par de toda essa aparência de vulnerabilidade, da notória alusão à fugacidade e finitude da existência humana, o ente lírico teima em persistir e avançar em seu caminho, deixando-se vocacionar por desejos mais profundos e transcendentes, em lugar das meras necessidades materiais, ou como ousa dizer, “preferindo a rosa ao pão”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Cassiano Ricardo

(1895-1974)

 

Psicoautógrafo

 

Eu sou eu mesmo, o que nunca foi outro.

Eu mesmo – o eternamente condenado

a obedecer a física do estômago,

não obstante ao pão preferir a rosa.

 

A exibir meu sinal, qual fez Ulisses,

ao retornar, aos seus, e já ignorado.

A ter, na vida, um número de porta,

por onde entrou, e há de sair meu corpo.

 

Eu sou eu mesmo, o p’ra sempre forçado

a seguir para a frente de batalha,

e voltar caminhando, em carne e osso,

 

sobre minhas feridas, e – já morto, –

a provar, quanto mais desfigurado,

que nunca fui tão eu, tão nenhum outro.

 

Enigma

(Maureen Bruinsma: artista norte-americana)

 

Referência:

 

RICARDO, Cassiano. Psicoautógrafo. A Manhã, Suplemento Letras e Artes, Rio de Janeiro (RJ), p. 5, 12 fev. 1950. Disponível neste endereço. Acesso em 10 ago. 2024.

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