Com versos
enigmáticos e abertos à interpretação, quando não intrigantes, a poeta
paulistana mescla elementos contrastantes para evocar momentos “idos e vividos”,
conflitantes e desafiadores, decantados na história e em sua infância, ou mesmo
para urdir teias contrapostas, a exemplo da habitual ideia acerca de altura e
de grandeza, a princípio de natureza física e, depois – e decerto mais
importante –, a fazer referência às faculdades e à força interior das pessoas.
De um momento inicial
de abertura para o mundo, o defluxo a um quadro circunstante cujos traços se
assemelham a um “deserto”, coberto pelas poeiras do passado que refluem a cada
instante: mas a falante aventa a hipótese de que somos sempre capazes de
assimilar e de compreender tudo o está para além desse deserto, presumivelmente
de limitações e de barreiras com as quais amiúde nos deparamos em nossa
jornada.
Obs.: O título do
poema, seguramente, parodia o de um famoso poema de Jacques Prévert (1900-1977),
a saber, “Pour faire le portrait d’un oiseau”, já postado neste blog, no
seguinte endereço: “Para
pintar o retrato de um pássaro”.
J.A.R. – H.C.
Andréa Catrópa
(n. 1974)
pour faire le portrait
d’un poème ideal (*)
era o alvorecer
e o sol mais intenso
uma paixão de
descompasso
as penas as glórias e
os sabotadores
da história
a pequenez dos homens
altos e a
grandeza das mulheres
baixas
o gozo e o riso dos
sem dentes
era minha infância
tataravós e escola
teus sapatos altos
debaixo da cama
varridos junto com o
medo
a poeira acumulada
e que sempre retorna
a mônada que nos cabe
certamente tudo que
não
este deserto
A mônada da mente
(Ronald Conn: artista
norte-americano)
Nota:
(*). Literalmente,
“para fazer o retrato de um poema ideal”.
Referência:
CATRÓPA, Andréa. pour faire le portrait d’un poème ideal. In: JARDIM, Rubens (Pesquisa, seleção e organização). As mulheres poetas na literatura brasileira. v. 3. São Paulo, SP: Edição do Autor, 2018. p. 22.
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