Numa sequência de diálogos
internos a revelarem as reflexões do narrador sobre a interconexão entre sexo,
neuroses e memória, temos aqui um poema de atmosfera introspectiva e de estrutura
fragmentada, cuja ênfase acaba por recair sobre a falta de conexão emocional
entre os amantes, possivelmente em um – digamos assim – relacionamento interino.
Com efeito, ao leitor
não deixa de causar perplexidade o fato de que o orador se esqueceu do nome da sua
então parceira, mas, no entanto, consegue se lembrar com detalhes da posição em
que se encontrava o toca-discos, o qual, à altura do encontro, reproduzia uma composição
de Mozart (“Nachtmusik”) – talvez porque tivesse uma memória mais ligada a
objetos do que a pessoas, ou, ainda, em face de que o liame com a obra musical
do austríaco lhe atraísse a atenção com ímpeto redobrado.
A propósito, sobre o
funeral de que trata a terceira estância do poema, pode-se evocar o fato de que Mozart
foi sepultado em uma vala comum, num dia particularmente chuvoso, a 5.12.1791,
o que teria dificultado a prestação das justas homenagens àquele que se mostrou
um dos mais prolíficos e amados compositores de todos os tempos.
J.A.R. – H.C.
David Markson
(1927-2010)
Nachtmusik
The woman said:
Is there any point in
reducing
Every damned question
to sex?
There was Mozart on.
And what she really
Meant was: Couldn’t
we maybe delve
Into a few dozen more
of her neuroses
Before we screwed
again?
Now here is what was
actually
In my own head around
then:
That funeral, in that
rain,
Where nobody could
spare the time
To set some shabbiest
of signals
At his grave.
I assume I’ve already
Telegraphed the last
part of this.
Naturally I forgot
her name.
But I could diagram
exactly
Where the turntable
stood.
Eine Kleine
Nachtmusik
(Ilya Krughoff:
artista finlandês)
Nachtmusik (*)
Disse-me a mulher:
Há algum sentido em
reduzir
todas as malditas
questões a sexo?
Estava Mozart a
tocar.
E o que ela realmente
Queria dizer era: Não
poderíamos talvez investigar
Mais algumas dúzias de
suas neuroses,
Antes de voltarmos a
fornicar?
Eis aqui o que, de
fato, se passava
Em minha cabeça, àquela
altura:
Aquele funeral, sob a
chuva,
No qual ninguém poderia
perder tempo
Para apor os mais
indignos distintivos
Sobre a tumba dele.
Presumo que já lhe tenha
Telegrafado quanto à
última parte destas lucubrações.
Naturalmente, esqueci-me
do nome dela.
Mas poderia fazer um
esboço exato
Do local onde se
encontrava o toca-discos.
Nota:
(*). “Música noturna”,
em alemão, referência direta à famosa composição de Mozart “Eine Kleine
Nachtmusik” (“Um Pouco de Música Noturna”), nomeadamente, a Serenata nº 13 para
cordas em sol maior (KV 525), que se pode apreciar neste vídeo do Youtube.
Referência:
MARKSON, David.
Nachtmusik. In: __________. Collected poems. 1st ed. Normal, IL: Dalkey
Archive Press, 1993. p. 28.
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