Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 16 de julho de 2024

David Markson - Nachtmusik

Numa sequência de diálogos internos a revelarem as reflexões do narrador sobre a interconexão entre sexo, neuroses e memória, temos aqui um poema de atmosfera introspectiva e de estrutura fragmentada, cuja ênfase acaba por recair sobre a falta de conexão emocional entre os amantes, possivelmente em um – digamos assim – relacionamento interino.

 

Com efeito, ao leitor não deixa de causar perplexidade o fato de que o orador se esqueceu do nome da sua então parceira, mas, no entanto, consegue se lembrar com detalhes da posição em que se encontrava o toca-discos, o qual, à altura do encontro, reproduzia uma composição de Mozart (“Nachtmusik”) – talvez porque tivesse uma memória mais ligada a objetos do que a pessoas, ou, ainda, em face de que o liame com a obra musical do austríaco lhe atraísse a atenção com ímpeto redobrado.

 

A propósito, sobre o funeral de que trata a terceira estância do poema, pode-se evocar o fato de que Mozart foi sepultado em uma vala comum, num dia particularmente chuvoso, a 5.12.1791, o que teria dificultado a prestação das justas homenagens àquele que se mostrou um dos mais prolíficos e amados compositores de todos os tempos.

 

J.A.R. – H.C.

 

David Markson

(1927-2010)

 

Nachtmusik

 

The woman said:

Is there any point in reducing

Every damned question to sex?

 

There was Mozart on.

And what she really

Meant was: Couldn’t we maybe delve

Into a few dozen more of her neuroses

Before we screwed again?

 

Now here is what was actually

In my own head around then:

That funeral, in that rain,

Where nobody could spare the time

To set some shabbiest of signals

At his grave.

 

I assume I’ve already

Telegraphed the last part of this.

Naturally I forgot her name.

But I could diagram exactly

Where the turntable stood.

 

Eine Kleine Nachtmusik

(Ilya Krughoff: artista finlandês)

 

Nachtmusik (*)

 

Disse-me a mulher:

Há algum sentido em reduzir

todas as malditas questões a sexo?

 

Estava Mozart a tocar.

E o que ela realmente

Queria dizer era: Não poderíamos talvez investigar

Mais algumas dúzias de suas neuroses,

Antes de voltarmos a fornicar?

 

Eis aqui o que, de fato, se passava

Em minha cabeça, àquela altura:

Aquele funeral, sob a chuva,

No qual ninguém poderia perder tempo

Para apor os mais indignos distintivos

Sobre a tumba dele.

 

Presumo que já lhe tenha

Telegrafado quanto à última parte destas lucubrações.

Naturalmente, esqueci-me do nome dela.

Mas poderia fazer um esboço exato

Do local onde se encontrava o toca-discos.

 

Nota:

 

(*). “Música noturna”, em alemão, referência direta à famosa composição de Mozart “Eine Kleine Nachtmusik” (“Um Pouco de Música Noturna”), nomeadamente, a Serenata nº 13 para cordas em sol maior (KV 525), que se pode apreciar neste vídeo do Youtube.

 

Referência:

 

MARKSON, David. Nachtmusik. In: __________. Collected poems. 1st ed. Normal, IL: Dalkey Archive Press, 1993. p. 28.

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