A Catedral de Colônia,
“exemplo da resistência humana” frente às avassaladoras contingências da
História, serve ao poeta e escritor mineiro como filão desencadeador de uma prodigiosa
recolha de poemas, de onde transcrevo o que vem a seguir, uma espécie de encômio
à grande Literatura e suas consagradas personagens, cumprindo-se consignar, ademais,
que a obra em referência foi redigida por Romano quando residia em Colônia
(DE) e lecionava na Universidade local,
O templo se converte,
assim, num lugar para onde convergem as ideias e a imaginação, as criações em
suma, de poetas e escritores: uma longa e ininterrupta narrativa do que se
passa em nossas mentes, a fazer correr um rio impetuoso, repleto de todos os
sentidos atribuíveis à singela existência humana, enquanto jornada perscrutadora
pelas sendas da beleza e da verdade.
J.A.R. – H.C.
Affonso Romano de
Sant’Anna
(n. 1937)
Catedral de livros
A Catedral de Colônia
mais que cordel
nordestino
cantoria à beira
Reno,
é uma pedra-poema
onde o poeta precário
verte o seu desatino
e seu furor
literário.
A Catedral de Colônia
é o livro branco onde
escrevo
tudo que amo e perco,
tudo que ensino e
esqueço.
– Por aqui passou
Cervantes no seu louco Rocinonte?
– Daqui se viu Camões
perdendo Dinamene
e salvando a nado seu
poema no Indico Oceano?
– Por aqui sorriu
Voltaire, enquanto não brigou
com Frederico, o
Grande, por causa de um chocolate
e do salário para a
amante?
Mas que pedra mais
completa
desta vez, enfim,
botaram
no caminho do poeta.
São as Tristezas de
Werter?
O dragão de Sigfried?
O Ouro do Reno velho?
A eterna culpa de
Fausto?
O pai fantasma de
Hamlet?
Édipo a sós com a
esfinge?
Corcunda de Notre
Dame?
A Volta de Monte
Cristo?
Jogou-se daí Ismália?
Aí sonhou Julieta?
Matou-se aí Karenina?
Aí se afogou Ofélia?
Enlouqueceu
Margarida?
Ou se aviltou Bovary?
É o Conselheiro em
Canudos?
Um Quixote magro e
ossudo?
A barata e o pai de
Kafka?
O Som e a Fúria de
Faulkner?
O louco Raskolnikov?
O Tambor de Günter
Grass?
Montanha de Thomas
Mann?
O doido manso de
Gogol?
A guerra sem paz de
Tolstoi?
Aqui se poderiam
abrigar os eróticos consortes do Decameron
durante a peste que
atacou a aldeia e os fortes. Aqui
se poderia armar o
leito da arte amatória
oriental-medieval
e por mil dias, por
mil noites, com Scheherazade
nessa alcova de
pedra, resistir
contando estórias.
A Catedral dos Livros
(Gregg Chadwick: artista
norte-americano)
Referência:
SANT’ANNA, Affonso
Romano. Catedral de livros. In: __________. A catedral de Colônia e outros
poemas. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Rocco, 1985. p. 147-149.
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