Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 30 de julho de 2024

Affonso Romano de Sant’Anna - Catedral de livros

A Catedral de Colônia, “exemplo da resistência humana” frente às avassaladoras contingências da História, serve ao poeta e escritor mineiro como filão desencadeador de uma prodigiosa recolha de poemas, de onde transcrevo o que vem a seguir, uma espécie de encômio à grande Literatura e suas consagradas personagens, cumprindo-se consignar, ademais, que a obra em referência foi redigida por Romano quando residia em Colônia (DE) e lecionava na Universidade local, à época da ditadura militar em Pindorama.

 

O templo se converte, assim, num lugar para onde convergem as ideias e a imaginação, as criações em suma, de poetas e escritores: uma longa e ininterrupta narrativa do que se passa em nossas mentes, a fazer correr um rio impetuoso, repleto de todos os sentidos atribuíveis à singela existência humana, enquanto jornada perscrutadora pelas sendas da beleza e da verdade.

 

J.A.R. – H.C.

 

Affonso Romano de Sant’Anna

(n. 1937)

 

Catedral de livros

 

A Catedral de Colônia

mais que cordel nordestino

cantoria à beira Reno,

é uma pedra-poema

onde o poeta precário

verte o seu desatino

e seu furor literário.

A Catedral de Colônia

é o livro branco onde escrevo

tudo que amo e perco,

tudo que ensino e esqueço.

 

– Por aqui passou Cervantes no seu louco Rocinonte?

– Daqui se viu Camões perdendo Dinamene

e salvando a nado seu poema no Indico Oceano?

 

– Por aqui sorriu Voltaire, enquanto não brigou

com Frederico, o Grande, por causa de um chocolate

e do salário para a amante?

 

Mas que pedra mais completa

desta vez, enfim, botaram

no caminho do poeta.

 

São as Tristezas de Werter?

O dragão de Sigfried?

O Ouro do Reno velho?

A eterna culpa de Fausto?

O pai fantasma de Hamlet?

Édipo a sós com a esfinge?

Corcunda de Notre Dame?

A Volta de Monte Cristo?

Jogou-se daí Ismália?

Aí sonhou Julieta?

Matou-se aí Karenina?

Aí se afogou Ofélia?

Enlouqueceu Margarida?

Ou se aviltou Bovary?

 

É o Conselheiro em Canudos?

Um Quixote magro e ossudo?

A barata e o pai de Kafka?

O Som e a Fúria de Faulkner?

O louco Raskolnikov?

O Tambor de Günter Grass?

Montanha de Thomas Mann?

O doido manso de Gogol?

A guerra sem paz de Tolstoi?

 

Aqui se poderiam abrigar os eróticos consortes do Decameron

durante a peste que atacou a aldeia e os fortes. Aqui

se poderia armar o leito da arte amatória

oriental-medieval

e por mil dias, por mil noites, com Scheherazade

nessa alcova de pedra, resistir

 contando estórias.

 

A Catedral dos Livros

(Gregg Chadwick: artista norte-americano)

 

Referência:

 

SANT’ANNA, Affonso Romano. Catedral de livros. In: __________. A catedral de Colônia e outros poemas. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Rocco, 1985. p. 147-149.

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