Tem-se aqui o falante,
numa inconteste dicção científica, a perscrutar as forças da natureza – das
menores manifestações da matéria à grandiosidade do cosmos, dir-se-ia melhor,
das coisas que os humanos nem sempre podem ver a outras tantas ostensivamente conspícuas
–, todas a sugerirem, presume-se, a presença da figura tradicional de Deus por trás
da criação, muito embora não explicitamente mencionada nos versos, senão apenas
aventada pelo emprego sequenciado da anáfora “se te encontrar”.
Algumas linhas chegam
a evocar determinadas imagens do taoísmo, como as que contrapõem as energias do
yin e do yang ou, mais amplamente, as inúmeras dicotomias que se nos apresentam
neste mundo de aparências, v.g., dentro/fora, completo/segmentário, luz/escuridão.
No domínio do que
estaria por trás da reverente elocução do poeta, os versos talvez insinuem algo
que, postado o falante ainda deste lado do oceano da vida, poderia se encontrar
já na outra margem, dada a ambivalência incorporada às últimas linhas do poema,
permeadas pela ideia de totalidade como expressão síncrona do vasto espírito de
que se reveste o universo.
J.A.R. – H.C.
A. R. Ammons
(1926-2001)
Hymn
I know if I find you
I will have to leave the earth
and go on out
over the sea marshes
and the brant in bays
and over the hills of
tall hickory
and over the crater
lakes and canyons
and on up through the
spheres of diminishing air
past the blackset
noctilucent clouds
where one wants to
stop and look
way past all the
light diffusions and bombardments
up farther than the
loss of sight
into the unseasonal
undifferentiated empty stark
And I know if I find
you I will have to stay with the earth
inspecting with thin
tools and ground eyes
trusting the
microvilli sporangia and simplest
coelenterates
and praying for a
nerve cell
with all the soul of
my chemical reactions
and going right on
down where the eye sees only traces
You are everywhere
partial and entire
You are on the inside
of everything and on the outside
I walk down the path
down the hill where the sweetgum
has begun to ooze
spring sap at the cut
and I see how the
bark cracks and winds like no other bark
chasmal to my
ant-soul running up and down
and if I find you I
must go out deep into your
far resolutions
and if I find you I
must stay here with the separate leaves
A caminho da
eternidade
(Bruce Rolff: artista norte-americano)
Hino
Sei que se te
encontrar terei de deixar a terra
e seguir adiante
sobre os pântanos
marinhos e as bernacas nas baías
e sobre as colinas de
altas nogueiras
e sobre os lagos de crateras
e desfiladeiros
e mais ao alto
através dos estratos de ar rarefeito
para além das negras
e noctilucentes nuvens
onde muitos cogitam em
chegar para avistar
mais ao largo de todas
as irrupções e difusões de luz
até mais longe do que
o ponto onde há perda de visibilidade
em meio à perdurável e
indiferenciada aridez do vazio
E sei que se te encontrar terei que manter-me colado à
terra
inspecionando-a com aguçado
instrumental e olhos telúricos
fiando-me nas
microvilosidades, nos esporângios e
nos mais simples
celenterados
e rogando por uma
célula nervosa
com toda a alma de
minhas reações químicas
e indo até bem fundo
onde os olhos só enxergam vestígios
Estás em toda parte fragmentário
e inteiro
Estás no interior e
no exterior de tudo
Caminho pela trilha
descendo a colina, onde o liquidâmbar
começou a ressumar
pelo corte a seiva primaveril
e vejo como a sua
tona racha e se retorce como nenhuma outra tona
abismo para minh’alma
de formiga debatendo-se de cima a baixo
e se te encontrar
tenho de ir até o cerne de tuas
longínquas resoluções
e se te encontrar
tenho de manter-me aqui com as folhas desprendidas
Referência:
AMMONS, A. R. Hymn. In: HOPLER, Jay; JOHNSON, Kimberly (Eds.). Before the
door of God: an anthology of devotional poetry. New Haven, CT: Yale
University Press, 2013. p. 323-324.
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