Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 29 de julho de 2024

A. R. Ammons - Hino

Tem-se aqui o falante, numa inconteste dicção científica, a perscrutar as forças da natureza – das menores manifestações da matéria à grandiosidade do cosmos, dir-se-ia melhor, das coisas que os humanos nem sempre podem ver a outras tantas ostensivamente conspícuas –, todas a sugerirem, presume-se, a presença da figura tradicional de Deus por trás da criação, muito embora não explicitamente mencionada nos versos, senão apenas aventada pelo emprego sequenciado da anáfora “se te encontrar”.

 

Algumas linhas chegam a evocar determinadas imagens do taoísmo, como as que contrapõem as energias do yin e do yang ou, mais amplamente, as inúmeras dicotomias que se nos apresentam neste mundo de aparências, v.g., dentro/fora, completo/segmentário, luz/escuridão.

 

No domínio do que estaria por trás da reverente elocução do poeta, os versos talvez insinuem algo que, postado o falante ainda deste lado do oceano da vida, poderia se encontrar já na outra margem, dada a ambivalência incorporada às últimas linhas do poema, permeadas pela ideia de totalidade como expressão síncrona do vasto espírito de que se reveste o universo.

 

J.A.R. – H.C.

 

A. R. Ammons

(1926-2001)

 

Hymn

 

I know if I find you I will have to leave the earth

and go on out

over the sea marshes and the brant in bays

and over the hills of tall hickory

and over the crater lakes and canyons

and on up through the spheres of diminishing air

past the blackset noctilucent clouds

where one wants to stop and look

way past all the light diffusions and bombardments

up farther than the loss of sight

into the unseasonal undifferentiated empty stark

 

And I know if I find you I will have to stay with the earth

inspecting with thin tools and ground eyes

trusting the microvilli sporangia and simplest

coelenterates

and praying for a nerve cell

with all the soul of my chemical reactions

and going right on down where the eye sees only traces

 

You are everywhere partial and entire

You are on the inside of everything and on the outside

 

I walk down the path down the hill where the sweetgum

has begun to ooze spring sap at the cut

and I see how the bark cracks and winds like no other bark

chasmal to my ant-soul running up and down

and if I find you I must go out deep into your

far resolutions

and if I find you I must stay here with the separate leaves

 

A caminho da eternidade

(Bruce Rolff: artista norte-americano)

 

Hino

 

Sei que se te encontrar terei de deixar a terra

e seguir adiante

sobre os pântanos marinhos e as bernacas nas baías

e sobre as colinas de altas nogueiras

e sobre os lagos de crateras e desfiladeiros

e mais ao alto através dos estratos de ar rarefeito

para além das negras e noctilucentes nuvens

onde muitos cogitam em chegar para avistar

mais ao largo de todas as irrupções e difusões de luz

até mais longe do que o ponto onde há perda de visibilidade

em meio à perdurável e indiferenciada aridez do vazio

 

E sei que se te encontrar terei que manter-me colado à terra

inspecionando-a com aguçado instrumental e olhos telúricos

fiando-me nas microvilosidades, nos esporângios e

nos mais simples celenterados

e rogando por uma célula nervosa

com toda a alma de minhas reações químicas

e indo até bem fundo onde os olhos só enxergam vestígios

 

Estás em toda parte fragmentário e inteiro

Estás no interior e no exterior de tudo

 

Caminho pela trilha descendo a colina, onde o liquidâmbar

começou a ressumar pelo corte a seiva primaveril

e vejo como a sua tona racha e se retorce como nenhuma outra tona

abismo para minh’alma de formiga debatendo-se de cima a baixo

e se te encontrar tenho de ir até o cerne de tuas

longínquas resoluções

e se te encontrar tenho de manter-me aqui com as folhas desprendidas

 

Referência:

 

AMMONS, A. R. Hymn. In: HOPLER, Jay; JOHNSON, Kimberly (Eds.). Before the door of God: an anthology of devotional poetry. New Haven, CT: Yale University Press, 2013. p. 323-324.

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