Mesmo sendo um “poeta
laureado” – afinal, Montale foi agraciado com o Nobel de Literatura em 1975 –,
o autor não se atém aos artifícios de maior complexidade que grande parte dos vates
reputados em alta conta adota em suas composições líricas, preferindo ir ao
encontro da beleza e da harmonia por vias mais simples e triviais, tencionando apreender-lhes
a placidez, as sutilezas, os contrastes, as distorções, as surpresas, as epifanias
que se nos revelam, v.g., pelo renovo do cenário natural.
Suas estratégias de
escrita, algo coloquiais, retratam as cenas de um mergulho na contemplação do
mundo, logrando obter efeitos de transcendência, de revelação e de conexão com
algo maior, mesmo nos lugares mais inesperados e em conjunturas episódicas,
ainda quando tangidos pela monotonia e pelo desencanto em relação ao quotidiano.
J.A.R. – H.C.
Eugenio Montale
(1896-1981)
I limoni
Ascoltami, i poeti
laureati
si muovono soltanto
fra le piante
dai nomi poco usati:
bossi ligustri o acanti.
Io, per me, amo le
strade che riescono agli erbosi
fossi dove in
pozzanghere
mezzo seccate
agguantano i ragazzi
qualche sparuta
anguilla:
le viuzze che seguono
i ciglioni,
discendono tra i
ciuffi delle canne
e mettono negli orti,
tra gli alberi dei limoni.
Meglio se le gazzarre
degli uccelli
si spengono
inghiottite dall’azzurro:
più chiaro si ascolta
il susurro
dei rami amici
nell’aria che quasi non si muove,
e i sensi di
quest’odore
che non sa staccarsi
da terra
e piove in petto una
dolcezza inquieta.
Qui delle divertite
passioni
per miracolo tace la
guerra,
qui tocca anche a noi
poveri la nostra parte di ricchezza
ed è l’odore dei
limoni.
Vedi, in questi
silenzi in cui le cose
s’abbandonano e
sembrano vicine
a tradire il loro
ultimo segreto,
talora ci si aspetta
di scoprire uno
sbaglio di Natura,
il punto morto del
mondo, l’anello che non tiene,
il filo da
disbrogliare che finalmente ci metta
nel mezzo di una
verità.
Lo sguardo fruga
d’intorno,
la mente indaga
accorda disunisce
nel profumo che
dilaga
quando il giorno più
languisce.
Sono i silenzi in cui
si vede
in ogni ombra umana
che si allontana
qualche disturbata
Divinità.
Ma l’illusione manca
e ci riporta il tempo
nelle città rumorose
dove l’azzurro si mostra
soltanto a pezzi, in
alto, tra le cimase.
La pioggia stanca la
terra, di poi; s’affolta
il tedio dell’inverno
sulle case,
la luce si fa avara –
amara l’anima.
Quando un giorno da
un malchiuso portone
tra gli alberi di una
corte
ci si mostrano i
gialli dei limoni;
e il gelo del cuore
si sfa,
e in petto ci
scrosciano
le loro canzoni
le trombe d’oro della
solarità.
Limãos
(Robert Papp: artista
norte-americano)
Os limões
Escuta-me, os poetas
laureados
movem-se tão somente
entre as plantas
de nomes pouco
usados: buxos ligustros e acantos.
Eu, por mim, gosto de
caminhos que levam às agrestes
valas onde em poças
já meio secas rapazes
apanham
alguma enguia miúda:
as veredas que seguem
junto às bordas,
descem por entre os
tufos de canas
e chegam até os
hortos, no meio dos limoeiros.
É melhor quando a
algazarra dos pássaros
se dilui e é tragada
pelo azul:
mais claro se há de
escutar o sussurro
de ramos amigos no ar
que não se move quase,
e as sensações desse
cheiro
que não se aparta da
terra
e uma doçura inquieta
chove no peito.
Aqui das distraídas
paixões
por um milagre
cala-se a guerra,
aqui até a nós pobres
cabe nossa parte de riqueza
e é o aroma dos
limões.
Vês, é nesses
silêncios em que as coisas
se abandonam e como
que estão prestes
a trair o seu último
segredo,
que por vezes se
espera
descobrir um engano
da Natureza,
o ponto morto do
mundo, o elo que não resiste,
a mecha a deslindar
que enfim nos ponha
no âmago de uma
verdade.
O olhar revista em
torno,
a mente indaga reúne
separa
no perfume que
alastra
quando mais langue o
dia.
São os silêncios em
que se avista
em toda sombra humana
que se afasta
alguma importunada
Divindade.
Mas a ilusão falha e
o tempo nos reporta
às ruidosas cidades
onde o azul se mostra
só aos pedaços, no
alto, entre as cimalhas.
A chuva cansa a
terra, depois; cerra-se
o tédio do inverno
sobre as casas,
a luz se torna avara –
a alma amarga.
Quando um dia um
portão entreaberto
em meio às árvores de
um pátio
nos mostra os
amarelos dos limões;
e o gelo do coração
se desfaz,
e brotam em nosso
peito
as canções que
ressoam
dos seus clarins de
ouro solar.
Referência:
MONTALE, Eugenio. I
limoni / Os limões. Tradução de Renato Xavier. In: __________. Ossos de
sépia: 1920-1927. Prefácio, tradução e notas de Renato Xavier. São Paulo,
SP: Companhia das Letras, 2011. Em italiano: 30 e 32; em português: p. 31 e 33.
(Coleção ‘Prêmio Nobel’)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário