Compondo a terceira e
última parte da seção III do poema “Os poros flóridos”, estes versos da poetisa
e tradutora paranaense estão permeados por imagens e metáforas convidativas à
reflexão sobre a natureza da linguagem poética, suas possibilidades ante a
essência da realidade, isto é, suas limitações para transmitir a complexidade da
experiência humana e, por extensão, deste cosmo.
Com efeito, a
expressão “fala em desgeografia” parece sugerir que a linguagem falha em
descrever e representar de maneira precisa o mundo físico e suas características.
Ou ainda: sendo “hermafrodita” a fala, acaba por mesclar elementos masculinos e
femininos, o que poderia indicar ambiguidade ou indefinição em sua natureza.
Idem, quando as palavras se circunscrevem à superficialidade das coisas, à
ausência de solidez em nossas construções discursivas.
Seja como for, o
olhar do falante – um “íris-diafragma” – ajusta-se para melhorar o foco, com o
objetivo de capturar, sob outros pontos de vista, aspectos sutis e detalhes do
mundo ao redor (a escrita do texto, margeado à direita e com desiguais
espaçamentos entre as estrofes, s.m.j., exorta o leitor a assumir outros
olhares, menos convencionais). Contudo as palavras decantadas no papel não são
capazes de transmitir, plenamente, a sua experiência visual e sensorial, tanto
mais se nas circunjacências de realidades alternativas ou digressivas.
No limite, a
linguagem acaba por assumir uma posição periférica – bem assim a poesia –, fixando
residência algo à margem da trama principal, quiçá observando-a de fora: e,
então, quem mais para nos servir como recurso à completa compreensão deste
mundo em ebulição?!
J.A.R. – H.C.
Josely Vianna
Baptista
(n. 1957)
É miragem a rima, a
fábula do nada
É miragem a rima, a fábula do nada,
as falhas dessa fala
em desgeografia,
a fala hermafrodita,
imantação de astilhas,
a voz na transparência,
edifícios de areia.
Mas teu olhar o
mesmo, em íris-diafragma,
fotogramas a menos na
edição do livro,
e o enredo sonho e
sol, delírios insulares,
teu olhar
transparente, a imagem
margem d’água, e as
fábulas da fala,
as falhas desse nada
– superfície de alvura
ou árida escritura.
Na moldura da página,
marginália de
escarpas.
Templo Híbrido
(Francisco Faria: artista
paranaense)
Referência:
BAPTISTA, Josely
Vianna. É miragem a rima, a fábula do nada. In: __________. Los poros
floridos. Con diseños de Francisco Faria. Edición bilíngue: portugués x
español. Traducción de Reynaldo Jiménez y Roberto Echavarren. 1.ed. México,
D.F.: Editorial Aldus, 2002. p. 22.
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