Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 12 de julho de 2024

Josely Vianna Baptista - É miragem a rima, a fábula do nada

Compondo a terceira e última parte da seção III do poema “Os poros flóridos”, estes versos da poetisa e tradutora paranaense estão permeados por imagens e metáforas convidativas à reflexão sobre a natureza da linguagem poética, suas possibilidades ante a essência da realidade, isto é, suas limitações para transmitir a complexidade da experiência humana e, por extensão, deste cosmo.

 

Com efeito, a expressão “fala em desgeografia” parece sugerir que a linguagem falha em descrever e representar de maneira precisa o mundo físico e suas características. Ou ainda: sendo “hermafrodita” a fala, acaba por mesclar elementos masculinos e femininos, o que poderia indicar ambiguidade ou indefinição em sua natureza. Idem, quando as palavras se circunscrevem à superficialidade das coisas, à ausência de solidez em nossas construções discursivas.

 

Seja como for, o olhar do falante – um “íris-diafragma” – ajusta-se para melhorar o foco, com o objetivo de capturar, sob outros pontos de vista, aspectos sutis e detalhes do mundo ao redor (a escrita do texto, margeado à direita e com desiguais espaçamentos entre as estrofes, s.m.j., exorta o leitor a assumir outros olhares, menos convencionais). Contudo as palavras decantadas no papel não são capazes de transmitir, plenamente, a sua experiência visual e sensorial, tanto mais se nas circunjacências de realidades alternativas ou digressivas.

 

No limite, a linguagem acaba por assumir uma posição periférica – bem assim a poesia –, fixando residência algo à margem da trama principal, quiçá observando-a de fora: e, então, quem mais para nos servir como recurso à completa compreensão deste mundo em ebulição?!

 

J.A.R. – H.C.

 

Josely Vianna Baptista

(n. 1957)

 

É miragem a rima, a fábula do nada

 

É miragem a rima, a fábula do nada,

as falhas dessa fala em desgeografia,

a fala hermafrodita, imantação de astilhas,

a voz na transparência, edifícios de areia.

 

Mas teu olhar o mesmo, em íris-diafragma,

fotogramas a menos na edição do livro,

e o enredo sonho e sol, delírios insulares,

teu olhar transparente, a imagem

margem d’água, e as fábulas da fala,

as falhas desse nada – superfície de alvura

 

ou árida escritura.

 

 

 

Na moldura da página,

marginália de escarpas.

 

Templo Híbrido

(Francisco Faria: artista paranaense)

 

Referência:

 

BAPTISTA, Josely Vianna. É miragem a rima, a fábula do nada. In: __________. Los poros floridos. Con diseños de Francisco Faria. Edición bilíngue: portugués x español. Traducción de Reynaldo Jiménez y Roberto Echavarren. 1.ed. México, D.F.: Editorial Aldus, 2002. p. 22.

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