Com aquela sua
escrita sempre concisa e, ao mesmo tempo, tendente a múltiplos sentidos, em que
os significantes, por igual, exercem papel de relevo, pois que, com frequência,
selecionados em razão de paronímia ou homonímia, Leminski percute nestes
versos a lira da resiliência, da coragem para superar desafios e do uso eficaz
da liberdade de escolha, em linha – claro está – com os parâmetros que cada
qual vislumbra para os seus próprios “voos”.
Com efeito, a
assunção de um estado emancipatório em relação à vida que se leva, bem assim o
sobrepujamento dos contratempos e reveses que vez por outra nos alcançam,
compensam quaisquer sofrimentos decorrentes de uma “asa ferida”. Afinal, “a dor
de voar não existe” , além de que, tal como se diz entre os operadores do mercado
financeiro, para maiores ganhos maiores riscos!
J.A.R. – H.C.
Paulo Leminski
(1944-1989)
Asas e Azares
Voar com asa ferida?
Abram alas quando eu
falo.
Que mais foi que fiz
na vida?
Fiz, pequeno, quando
o tempo
estava todo do meu
lado
e o que se chama
passado,
passatempo, pesadelo,
só existia nos
livros.
Fiz, depois, dono de
mim,
quando tive que
escolher
entre um abismo, o
começo,
e essa história sem
fim.
Asa ferida, asa
ferida,
meu espaço, meu
herói.
A asa arde. Voar,
isso não dói.
Vento sob minhas asas
(Christine Alfery: artista
norte-americana)
Referência:
LEMINSKI, Paulo. Asas
e azares. In: SAVARY, Olga (Organização, seleção, notas e apresentação).
Antologia da nova poesia brasileira. Rio de Janeiro, RJ: Fundação Rio /
Hipocampo, 1992. p. 240.
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