Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 6 de julho de 2024

John Berryman - Conversa

Ao navegar pelas águas turbulentas da vida, o falante deste poema entabula um diálogo com os pares, expressando a sua sensação de incerteza, desespero, privações e isolamento: dir-se-ia que se encontra em uma crise existencial, pondo em evidência a fragilidade da existência humana, a desintegração das estruturas familiares, a erosão de todos os saberes, o degringolar de nossa civilização.

 

Das metáforas empregadas por Berryman, muitas ilações se podem depreender: já não há âncoras em que se segurar, orientações confiáveis de líderes ou mentores a seguir, conhecimentos e guias acessíveis, trilhas arquetípicas ou narrativas com sentidos pertinentes frente às circunstâncias imperantes. Em suma: “Tudo o que é sólido desmancha no ar” – diriam Marx e Engels –, nada é mais estável ou categórico, pois que insondáveis são os novos desafios impostos pela pós-modernidade.

 

J.A.R. – H.C.

 

John Berryman

(1914-1972)

 

Conversation

 

Whether the moorings are invisible

Or gone, we said we could not tell.

But argument held one thing sure

That none of us that night could well endure;

The ship is locked with fog, no man aboard

Can see what he is moving toward,

There’s little food, less love, no sleep,

The sea is dark and we are told it’s deep.

 

Where is an officer who knows this coast?

If all such men long since have faced

Downward, one summon. Who knows how,

With what fidelity his voice heard now

Could shout directions from the ocean’s floor?

Traditional characters no more

Their learnt simple parts rehearse,

But bed them down at last from the time’s curse.

 

A broken log fell out upon the hearth.

The flaming harbinger come forth

Of holocausts that night and day

Shrivel from the mind its sovereignty.

We watched the embers cool; those embers brought

To one man there the failing thought

Of cities stripped of knowledge, men.

Our continent a wilderness again.

 

These are conclusions of the night, we said;

And drank, and were not satisfied.

The fire died down, smoke in the air

Took the alarming postures of our fear;

The overhead horror, in the padded room

The man who cannot tell his name.

The guns and enemies that face

Into this delicate and dangerous place.

 

(1938)

 

In: “The Dispossessed” (1948)

 

Tempestade de neve:

Hannibal e seu exército cruzando os Alpes

(William Turner: pintor inglês)

 

Conversa

 

Se as amarras são invisíveis ou desapareceram,

Afirmamos que não saberíamos dizer.

Mas a discussão nutriu uma certeza

Que nenhum de nós, naquela noite, poderia bem suportar;

O navio está bloqueado pelo nevoeiro e ninguém a bordo

É capaz de distinguir para onde ele se dirige,

Há pouca comida, amor menos ainda, não se dorme,

O mar está escuro e nos dizem que é profundo.

 

Onde encontrar um capitão que conheça este litoral?

Se todos há muito foram tragados pelo mar,

Chamem por algum. Quem sabe como,

Com que fidelidade ouvida agora a sua voz,

Poderia ele gritar orientações desde o fundo do oceano?

As personagens tradicionais já não ensaiam

Os seus papéis mais simples, há muito aprendidos,

De tal forma que, ao fim, estes se rendem à maldição do tempo.

 

Caiu sobre a lareira um lenho partido.

Um presságio flamígero revela-se

Dos holocaustos que, noite e dia,

Emurchecem da mente a sua soberania.

Vimos as brasas arrefecerem; brasas que trouxeram,

Para alguém ao largo, o pensamento falho

De cidades expropriadas de saberes, de homens.

Nosso continente é outra vez um deserto.

 

Essas são as conclusões da noite, afirmamos.

E bebemos sem que ficássemos satisfeitos.

O fogo se apagou, a fumaça no ar

Assumiu as alarmantes posturas de nosso medo;

Sobre as cabeças o horror, na sala acolchoada

O homem incapaz de dizer como se chama.

As armas e os inimigos que vêm em direção

A este lugar delicado e perigoso.

 

(1938)

 

Em: “Os Despossuídos” (1948)

 

Referência:

 

BERRYMAN, John. The conversation. In: __________. Collected poems: 1937-1971. Edited and introduced by Charles Thornbury. 1st print. New York, NY: Farrar, Straud and Giroux, 1989. p. 22.

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