A prevalência de pensamentos
e comportamentos desumanos, detectados por Schweitzer ainda na segunda década
do século passado, não esperaria tanto para se manifestar de um modo brutal no
curso da 2GM, dando ensejo a obras seminais sobre o tema, duas das quais de
autores de ascendência judaica, que experimentaram ‘in loco’ as insanidades dos
campos de concentração nazistas: “É isto um homem?”, de Primo Levi (1919-1987),
e “Em busca de sentido”, de Viktor Frankl (1905-1997).
Schweitzer sugere que
o calor e a autenticidade das interações humanas foram substituídos por uma
fachada superficial de civilidade, daí porque exorta os seus contemporâneos a
reavaliar suas atitudes e comportamentos em relação aos outros, enfatizando a
importância da empatia e do respeito pelo valor intrínseco de cada ser humano.
J.A.R. – H.C.
Albert Schweitzer
(1875-1965)
The dehumanization of
humanity
Man today is in
danger not only through his lack of freedom, of the power of mental
concentration, and of the opportunity for all-round development: he is in
danger of losing his humanity. As a matter of fact, the most utterly inhuman
thoughts have been current among us for two generations past in all the ugly
clearness of language and with the authority of logical principles. There has
been created a social mentality which discourages humanity in individuals. The
courtesy produced by natural feeling disappears, and in its place comes a
behavior which shows entire indifference, even though it is decked out more or
less thoroughly in a code of manners. The stand-offishness and want of sympathy
which are shown so clearly in every way to strangers are no longer felt as
being really rudeness, but pass for the behavior of the man of the world. Our
society has also ceased to allow to all men, as such, a human value and a human
dignity; many sections of the human race have become merely raw material and
property in human form. We have talked for decades with ever increasing
lightmindedness about war and conquest, as if these were merely operations on a
chessboard; how was this possible save as the result of a tonu of mind which no
longer pictured to itself the fate of individuals, but thought of them only as
figures or objects belonging to the material world? (SCHWEITZER, 1923, p.
23-25)
Cabeça
(Jim Morphesis:
artista norte-americano)
A desumanização da humanidade
O homem de hoje se
encontra em perigo não apenas pela falta de liberdade, de poder para
concentrar-se mentalmente e de oportunidades para o seu completo
desenvolvimento: encontra-se em perigo, a rigor, de privar-se de sua própria
humanidade. De fato, os pensamentos mais absolutamente desumanos têm estado
presentes entre nós há duas gerações, com toda a clareza repugnante da linguagem,
respaldados pela autoridade de princípios lógicos. Criou-se uma mentalidade
social que desencoraja a humanidade nos indivíduos. A cortesia produzida pelo
sentimento natural desaparece, e em seu lugar surge um comportamento que mostra
completa indiferença, ainda que adornado, de forma mais ou menos completa, por
um código de boas maneiras. O distanciamento e a falta de simpatia que são
claramente demonstrados, de todos os modos, para com os estranhos já não são
considerados como verdadeiras grosserias, senão que acabam por passar como o
comportamento do homem do mundo. Nossa sociedade também deixou de outorgar a
todos os homens, como tais, um valor e uma dignidade humanos; muitas frações da
humanidade se converteram em mera matéria-prima e objeto de propriedade sob a
forma humana. Durante décadas, temos falado, com uma falta cada vez maior de
seriedade, sobre guerras e conquistas, como se fossem operações triviais em um
tabuleiro de xadrez. Como isso foi possível, a não ser como resultado de um
estado mental que já não levava em conta o destino dos indivíduos, mas que os
considerava apenas como figuras ou objetos pertencentes ao mundo material?
Referência:
SCHWEITZER, Albert. The
decay and the restoration of civilization. Part I: The philosophy of
civilization. Translated from German into English by C. T. Campion. London, EN:
A. & C. Black, 1923. Disponível neste
endereço. Acesso em: 5 jun. 2023.
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