Bellay expressa nestes
versos uma espargida nostalgia da pátria e o desejo de retornar à terra natal,
um comum sentimento entre os poetas de sua época, conhecidos por compor a Plêiade,
grupo literário do século XVI que buscava valorizar a cultura e o idioma franceses:
para tanto, coteja a sua jornada à de heróis antigos, como a de Ulysses, em
regresso a Ítaca, ou a de Jasão, de volta para casa, depois de haver
conquistado o velo de ouro.
De fato, a ideia bem
ilustra o padrão das jornadas frequentemente narradas na Literatura, a saber,
uma sequência de aventuras gloriosas, regressos ao torrão natal, momentos de
serenidade em um quotidiano retirado e o atingimento do que se costuma chamar
por “sabedoria de vida”.
Não deixa de chamar a
atenção o contraste entre as imagens pormenorizadas pelo poeta: de um lado, a
grandeza de Roma, materializada por arrojados frontões e palácios; de outro, a
simplicidade de uma edificação semianônima, em que se destacam a humilde casa,
o cercado, a chaminé fumegante e, por extensão, a pequena aldeia campestre. Ou designadamente,
para além dos Alpes, o Tibre latino e o Monte Palatino; mas a noroeste, a pequena Liré, a aldeia provinciana na região de Anjou, França!
Em síntese: também de
simplicidade sustenta-se o coração humano, vale dizer, do afeto, da conexão com
a sua história pessoal e das memórias relativas ao lugar de onde se parte para
a grande jornada da vida.
J.A.R. – H.C.
Joachim du Bellay
Gravura de Charles-Etienne
Gaucher
(1522-1560)
Sonnet XXXI
Heureux qui, comme
Ulysse, a fait un beau voyage,
Ou comme cestuy-là
qui conquit la toison,
Et puis est retourné,
plein d’usage et raison,
Vivre entre ses
parents le reste de son âge!
Quand reverrai-je,
hélas, de mon petit village
Fumer la cheminée, et
en quelle saison
Reverrai-je le clos
de ma pauvre maison,
Qui m’est une
province, et beaucoup davantage?
Plus me plaît le
séjour qu’ont bâti mes aïeux,
Que des palais
Romains le front audacieux,
Plus que le marbre
dur me plaît l’ardoise fine:
Plus mon Loire Gaulois,
que le Tibre Latin,
Plus mon petit Liré,
que le mont Palatin,
Et plus que l’air
marin la doulceur Angevine.
Dans: “Les Regrets”
(1558)
Beaugency, Vale do
Loire
(William Turner:
pintor inglês)
Soneto XXXI
Ditoso o que
empreendeu de Ulysses a jornada,
Ou como ess’outro que
conquistou a tosão
E que após retornou,
com mais tino e razão,
A viver entre os seus
a vida descuidada.
Quando é que hei de rever de minha
aldeia amada
O fumo dos casais; do tempo em qual
sazão
Hei de sebe rever da mui pobre mansão
Que uma província me é, a que igual não
há nada?
Mais me apraz o meu lar avoengo, venturoso,
Que de romano paço o frontão audacioso;
Mais que o mármore duro apraz-me a
ardósia fina,
O meu Loire gaulês, mais que o Tibre
latino,
Mais meu pobre Liré que o monte Palatino,
Mais que a brisa marinha a doçura
angevina.
Em: “As Queixas” (1558)
Referência:
BELLAY, Joachim du. Sonnet
XXXI / Soneto XXXI. Tradução de Guilherme de Almeida. In: ALMEIDA, Guilherme de
(Seleção e tradução). Poetas de França. Prefácio de Marcelo Tápia. 5.
ed. São Paulo, SP: Babel, 2011. Em francês: p. 30; em português: p. 31.
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