Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 9 de julho de 2024

António Salvado - Secura

Águas paradas num lago brumoso são a metáfora perfeita para a estagnação e a carência de vitalidade, de movimento, de luz: há nestes versos um quê alusivo à escassez de inspiração para criar ou para suscitar um discurso com sentidos, com significados, como se a própria linguagem estivesse aprisionada e inerte – ela que outrora denotara todo um vasto território de ardentes emoções, de paixões intensas, mas que agora não logra romper as barreiras do silêncio.

 

As folhas amarelas e desbotadas, assim como os caules rígidos e flutuantes, indicam os impasses em relação aos requisitos de renovação, de crescimento, de incremento nos frutos por vir, em outras palavras, um sentimento de nostalgia e de perda perpassa as estâncias, despertando a ideia de que o poeta se reclama em relação à fortaleza necessária para erradicar tal estado de “secura”, em suma, para fazer brotar fartas espigas onde, por ora, elas grassam mirradas e ressequidas.

 

J.A.R. – H.C.

 

António Salvado

(1936-2023)

 

Secura

 

Água estagnada no brumoso lago

sem qualquer espera de ofegante brisa,

com folhas amarelas    desbotadas,

pequenos caules a boiarem    hirtos.

 

Nela jamais a luz há-de brilhar,

nenhuma estrela aí há-de fremir:

verbos saídos fora da gramática,

sons apagados a negar sentidos.

 

E no entanto sobre si moraram

olhos ardidos de leal queimor

e vogais    consoantes de palavras

silenciadas como um tronco morto.

 

Lago sob brumas

(Jessica Davidson: pintora australiana)

 

Referência:

 

SALVADO, António. Secura. In: __________. Afloramentos. 1. ed. Castelo Branco, PT: Estudos de Castelo Branco, 2007. p. 12.

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