Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 5 de julho de 2024

Stevan Raítchkovitch - Desenho círculos na areia

O poeta elucubra sobre a natureza da criação artística, a percepção sensorial que lhe é correlata e a busca por identidade, nos escaninhos sutis da conexão entre a mente e o mundo exterior: lavrados sob o peso de uma experiência quase onírica e dissociativa, os versos dão-nos a impressão de que o falante está a vivenciar um devaneio, o qual, somente a julgar pelas assintóticas linhas de força que o atravessam, se poderia presumir conforme ao seu colimado interesse por compreender o mundo.

 

Com efeito, o poder da percepção e da imaginação bem se mostra capaz de colmatar as lacunas deixadas pelos elementos constituintes da realidade concreta, mas sempre haverá algo de etéreo e de inatingível que, mesmo no domínio do meramente sensitivo, revela-se como de difícil apreensão, estando porventura além do nosso falível nível de consciência: o argumento circular ao longo do poema simbolizaria, s.m.j, a contínua – e talvez inglória – jornada do poeta em busca de completude.

 

J.A.R. – H.C.

 

Stevan Raítchkovitch

(1928-2007)

 

Цртам по песку кругове

 

Цртам по песку кругове, а сваку

Последњу нит илтачку што два краја

Треба да споји: проминем за длаку.

Мој штап промаша, али око спаја

Тај исти круг у мислима и зраку.

(Свему што тежим и смислим у глави

Зафали тако: један корак, стопа...

Или ми рука окраћа кроз плави

Ваздух кад крене да најзад докопа

Оно за чим се пружала на јави.)

 

Променим клупу: гледам дно видика

И опуштено чекам да се смире

Све мисли попут удаљених слика.

Али се очи опет нагло шире:

Назирем у дну обрис неког лика.

Онда зажмурим да се у мрак склоне

И растуре по рупама мог духа

Нејасне црте тог лика, алоне

Постају јаче: већ видим два уха

И чујем свој глас како у њих тоне...

К’о да сам био у туђем сну, дугом:

Сад место мене гледа други неко

У лик како се спаја с танком пругом

Негде при крају видика, далеко...

 

По новом песку цртам круг за кругом.

 

Círculos na Areia

(Oonagh Latchford: artista irlandesa)

 

Desenho círculos na areia

 

Desenho círculos na areia e cada

Traço ou linha que assim une as duas pontas,

Traço derradeiro, desfoco um nada.

O meu cajado erra, mas o olho aponta

Aquele círculo no ar bem pensado

(Tudo o que eu desejo ou imagino

Ressente-se de algo: de um passo ou traço...

Ou as mãos procuram no azul e fino

Oxigênio aquele final espaço

Que em vigília ainda quer, passo a passo).

 

Mudo então de assento: observo a imagem

Fundo abandonada; caço na espera

A paz dos pensamentos, longe a miragem.

Mas de novo os olhos se abrem, quimera,

E logo descobrem sombra-voragem.

A escuridão busco, os olhos fechados

Para esconder ali, nas profundezas,

De minha alma os trapos embaralhados.

Eles voltam fortes: e duas orelhas

Já enxergo e minha voz se esvai furada...

Atrás do arco-íris, em sonho alheio:

Outro alguém em vez de mim longe fita

E a face se funde na trilha em cheio.

Na distância, no fim, lá no infinito.

 

Desenho círculos na areia.

 

Referências:

 

Em Sérvio

 

РАИЧКОВИЋ, Стеван. Цртам по песку кругове. Disponível neste endereço. Acesso em: 25 jun. 2024.

 

Em Português

 

RAÍTCHKOVITCH, Stevan. Desenho círculos na areia. Tradução de Aleksandar Jovanovic. Poesia sempre: revista semestral de poesia. Sérvia. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de janeiro (RJ), ano 15, n. 29, p. 22, jan.-jun. 2008.

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