O poeta elucubra
sobre a natureza da criação artística, a percepção sensorial que lhe é
correlata e a busca por identidade, nos escaninhos sutis da conexão entre a
mente e o mundo exterior: lavrados sob o peso de uma experiência quase onírica
e dissociativa, os versos dão-nos a impressão de que o falante está a vivenciar
um devaneio, o qual, somente a julgar pelas assintóticas linhas de força que o
atravessam, se poderia presumir conforme ao seu colimado interesse por compreender
o mundo.
Com efeito, o poder
da percepção e da imaginação bem se mostra capaz de colmatar as lacunas deixadas
pelos elementos constituintes da realidade concreta, mas sempre haverá algo de
etéreo e de inatingível que, mesmo no domínio do meramente sensitivo, revela-se
como de difícil apreensão, estando porventura além do nosso falível nível de
consciência: o argumento circular ao longo do poema simbolizaria, s.m.j, a contínua
– e talvez inglória – jornada do poeta em busca de completude.
J.A.R. – H.C.
Stevan Raítchkovitch
(1928-2007)
Цртам по песку кругове
Цртам по песку кругове, а сваку
Последњу нит ил’ тачку што два краја
Треба да споји: проминем за длаку.
Мој штап промаша, али око спаја
Тај исти круг у мислима и зраку.
(Свему што тежим и смислим у глави
Зафали тако: један корак, стопа...
Или ми рука окраћа кроз плави
Ваздух кад крене да најзад докопа
Оно за чим се пружала на јави.)
Променим клупу: гледам дно видика
И опуштено чекам да се смире
Све мисли попут удаљених слика.
Али се очи опет нагло шире:
Назирем у дну обрис неког лика.
Онда зажмурим да се у мрак склоне
И растуре по рупама мог духа
Нејасне црте тог лика, ал’ оне
Постају јаче: већ видим два уха
И чујем свој глас како у њих тоне...
К’о да сам био у туђем сну, дугом:
Сад место мене гледа други неко
У лик како се спаја с танком пругом
Негде при крају видика, далеко...
По новом песку цртам круг за кругом.
Círculos na Areia
(Oonagh Latchford:
artista irlandesa)
Desenho círculos na
areia
Desenho círculos na
areia e cada
Traço ou linha que
assim une as duas pontas,
Traço derradeiro,
desfoco um nada.
O meu cajado erra,
mas o olho aponta
Aquele círculo no ar bem
pensado
(Tudo o que eu desejo
ou imagino
Ressente-se de algo:
de um passo ou traço...
Ou as mãos procuram
no azul e fino
Oxigênio aquele final
espaço
Que em vigília ainda
quer, passo a passo).
Mudo então de
assento: observo a imagem
Fundo abandonada; caço
na espera
A paz dos
pensamentos, longe a miragem.
Mas de novo os olhos
se abrem, quimera,
E logo descobrem
sombra-voragem.
A escuridão busco, os
olhos fechados
Para esconder ali,
nas profundezas,
De minha alma os
trapos embaralhados.
Eles voltam fortes: e
duas orelhas
Já enxergo e minha
voz se esvai furada...
Atrás do arco-íris,
em sonho alheio:
Outro alguém em vez
de mim longe fita
E a face se funde na
trilha em cheio.
Na distância, no fim,
lá no infinito.
Desenho círculos na
areia.
Referências:
Em Sérvio
РАИЧКОВИЋ, Стеван. Цртам по песку кругове. Disponível neste endereço. Acesso em: 25 jun.
2024.
Em Português
RAÍTCHKOVITCH, Stevan.
Desenho círculos na areia. Tradução de Aleksandar Jovanovic. Poesia sempre:
revista semestral de poesia. Sérvia. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de
janeiro (RJ), ano 15, n. 29, p. 22, jan.-jun. 2008.
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