Envoltas em linguagem
metafórica e simbólica, com motivos marinhos e atmosfera sombria, estas
estâncias de Brecht exploram temas universais como a jornada da vida, a
deterioração física e o indefectível aniquilamento do que quer que esteja sob o
domínio do tempo, servindo como uma parábola para a condição humana, um misto
de vãs esperanças e de incertezas em relação ao futuro.
Nessa viagem por
incógnitos mares não há quem não se sinta por vezes perdido: somos como esse navio-fantasma que se desintegra aos poucos, conscientes de nossa
transitoriedade, e, quanto mais vazios, mais rendidos interiormente a criaturas
extraportas, enquanto deslizamos “onustos e silenciosos em direção a pálidos céus”.
J.A.R. – H.C.
Bertolt Brecht
(1898-1956)
Das Schiff
Durch die klaren
Wasser schwimmend vieler Meere
Löst ich schaukelnd
mich von Ziel und schwere
Mit den Haien ziehend
unter rotem Mond.
Seit mein Holz fault
und die Segel schlissen
Seit die Seile
modern, die am Strand mich rissen
Ist entfernter mir
und bleicher auch mein Horizont.
Und seit jener
hinblich und mich diesen
Wassern die
entfernten Himmel ließen
Fühl ich tief, daß
ich vergehen soll.
Seit ich wußte, ohne
mich zu wehren
Daß ich untergehen
soll in diesen Meeren
Ließ ich mich den
Wassern ohne Groll.
Und die Wasser kamen,
und sie schwemmten
Viele Tiere in mich,
und in fremden
Wänden freundeten
sich Tier und Tier.
Einst fiel Himmel
durch die morsche Decke
Und sie kannten sich
in jeder Ecke
Und die Haie blieben
gut in mir.
Und in vierten Monde
schwammen Algen
In mein Holz und
grünten in den Balken:
Mein Gesicht ward
anders noch einmal.
Grün und wehrend in
den Eingeweiden
Fuhr ich langsam,
ohne viel zu leiden
Schwer mit Mind und
Pflanze, Hai und Wal.
Möw’ und Algen war
ich Ruhestätte
Schuldlos immer, daß
ich sie nicht rette.
Wenn ich sinke, bin
ich schwer und voll.
Jetzt, im achten
Monde, rinnen Wasser
Häufiger in mich. mein
Gesicht wird blasser.
Und ich bitte, daß es
enden soll.
Fremde Fischer sagten
aus: Sie sahen
Etwas nahen, das
verschwamm beim Nahen.
Eine Insel? Ein
verkommnes Floß?
Etwas fuhr,
schimmernd von Möwenkoten
Voll von Alge,
Wasser, Mond und Totem
Stumm und dick auf
den erbleichten Himmel los.
Duas figuras em um
pequeno barco
(Andrew Wyeth: pintor
norte-americano)
O Barco
Flutuando em águas
claras de muitos mares
desprendi-me
balouçando de meta e peso,
ao seguir com os
tubarões sob a lua vermelha.
Desde que meu lenho
apodrece e as velas puem,
desde que o mofo
rompe as amarras que à praia me prendiam,
mais distante e
esmaecido me parece o horizonte.
E desde que aquele
esmaeceu e me abandonaram
e estas águas, os
céus distantes,
senti no fundo que
devia acabar.
E desde que sabia sem
me revoltar
que havia de afundar-me
nestes mares,
entreguei-me às águas
sem ressentimento.
E as águas vieram e
logo trouxeram
muitos animais para o
meu bojo
que entre as paredes
se aproximavam.
O céu já varara o
convés podre,
a amizade nascia em
cada canto;
até mesmo os tubarões
tornaram-se bons em mim.
E na quarta lua as
algas flutuavam
na minha madeira e
verdejavam nos vaus;
meu aspecto mudou-se
mais uma vez.
Oscilante e verde em
minhas entranhas
seguia devagar sem
muito padecer,
pesado de lua,
tubarão e baleia.
Asilo, fui para
gaivotas e algas,
sem culpa porém por não
salvá-las
quando afundar-me
pesado e cheio.
Agora, na oitava lua,
as águas
penetram mais amiúde
em mim,
minha face empalidece
e rogo que tudo termine.
Pescadores de outras
águas atestaram: viram
algo indefinível
boiar no alto mar.
Uma ilha? Uma balsa
abandonada? Algo
fosforescente de
excremento de gaivotas,
repleto de lua, algas
e morte,
dirigia-se calado ao
pálido céu.
Folhetim, 24.03.85
Referências:
Em Alemão
BRECHT, Bertolt. Das
Schiff. In: ENZENSBERGER, Hans Magnus (Einger.). Das museum der modernen poesie.
1. aufl. Frankfurt am Main, DE: Suhrkamp Verlag, 2002. s. 225-226.
Em Português
BRECHT, Bertolt. O
barco. Tradução de Roswitha Kempf e Margarida Finkel. In: SUZUKI JR., Matinas;
ASCHER, Nelson (Orgs.). Folhetim: poemas traduzidos. São Paulo, SP:
Folha de São Paulo, 1987. p. 13-14.
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