A retratarem a
intensa relação entre o poeta e a poesia, estas caudalosas linhas descrevem o
falante a mergulhar na voragem transformadora do experimento poético e nas
intensas emoções que ele evoca: surge a poesia, no dizer do autor, de seus
recessos mais profundos, do centro inominável do seu ser – como um “exército”
ou uma “maré”.
Nesse exercício de
imaginação, o poeta reconhece no mundo as suas diferenças e semelhanças, suas
oposições e afinidades, suas tensões de destruição e de criação. E, sob tal
contexto, toda a poesia que dele se extraia tende a suscitar uma angústia sem
fim, transformando tudo o que toca num sombrio desejo, numa “avidez subterrânea
e delirante”, explico-me melhor, a própria substância da alma do poeta,
enquanto “palavra palpável e despótica”.
Uma nota sobre esta versão
do poema ao português: trata-se de uma tradução por mim elaborada a partir da redação
contida no ‘link’ apresentado mais abaixo, no campo “Referência”. Digo isto
porque, aparentemente, o Nobel mexicano, em publicações posteriores, empreendeu
retoques ao poema para levá-lo a um estado que, suponho, lhe fosse de maior
agrado.
J.A.R. – H.C.
Octavio Paz
(1914-1998)
¿Por qué tocas mi pecho nuevamente?
Llegas, silenciosa, secreta, armada,
tal los guerreros a una ciudad dormida;
quemas mi lengua con tus labios, pulpo,
y despiertas los furores, los goces,
y esta angustia sin fin
que lo que toca enciende
y engendra en cada cosa
una avidez sombría.
El mundo cede y se desploma
como metal al fuego.
Entre mis ruinas me levanto
y quedo frente a ti,
solo, desnudo, despojado,
sobre la roca inmensa del silencio,
como un solitario combatiente
contra invisibles huestes.
Verdad abrasadora,
¿a qué me empujas?
No quiero tu verdad,
tu insensata pregunta.
¿A qué esta lucha estéril?
No es el hombre criatura capaz de contenerte,
avidez que sólo en la sed se sacia,
llama que todos los labios consume,
espíritu que no vive en ninguna forma
mas hace arder todas las formas
con un secreto fuego indestructible.
Pero insistes, lágrima escarnecida,
y alzas en mí tu imperio desolado.
Subes desde lo más hondo de mí,
desde el centro innombrable de mi ser,
ejército, marea.
Creces, tu sed me ahoga,
expulsando, tiránica,
aquello que no cede
a tu espada frenética.
Ya sólo tú me habitas,
tú, sin nombre, furiosa sustancia,
avidez subterránea, delirante.
Golpean mi pecho tus fantasmas,
despiertas a mi tacto,
hielas mi frente
y haces proféticos mis ojos.
Percibo el mundo y te toco,
sustancia intocable,
unidad de mi alma y de mi cuerpo,
y contemplo el combate que combato
y mis bodas de tierra.
Nublan mis ojos imágenes opuestas,
y a las mismas imágenes
otras, más profundas, las niegan,
tal un ardiente balbuceo,
aguas que anega un agua más oculta y densa.
(La oscura ola
que nos arranca de la primera ceguera
nace del mismo mar oscuro
en que nace, sombría,
la ola que nos lleva a la tierra:
sus aguas se confunden
y en su tiniebla
quietud y movimiento son lo mismo.)
Insiste, vencedora,
porque tan sólo existo porque existes,
y mi boca y mi lengua se formaron
para decir tan sólo tu existencia
y tus secretas sílabas, palabra
impalpable y despótica,
sustancia de mi alma.
Eres tan sólo un sueño,
pero en ti sueña el mundo
y su mudez habla con tus palabras.
Rozo, al tocar tu pecho,
la eléctrica frontera de la vida,
la tiniebla de sangre
donde pacta la boca cruel y enamorada,
ávida aún de destruir lo que ama
y revivir lo que destruye,
con el mundo, impasible
y siempre idéntico a sí mismo,
porque no se detiene en ninguna forma
ni se demora sobre lo que engendra.
Llévame, solitaria,
llévame entre los sueños;
llévame, madre mía,
despiértame del todo,
hazme soñar tu sueño,
unta mis ojos con aceite,
para que al conocerte, me conozca.
Abril 14 y 15 de 1941
Amarelo - Vermelho -
Azul
(Wassily Kandinsky:
artista russo)
A Poesia
Por que tocas meu
peito novamente?
Chegas, silenciosa,
secreta, armada,
tal como os
guerreiros a uma cidade adormecida;
queimas minha língua
com teus lábios, polvo,
e despertas os
furores, os gozos
e esta angústia sem
fim
que faz arder o que
toca,
engendrando em cada
coisa
uma avidez sombria.
O mundo cede e se
desmancha
como metal ao fogo.
Entre minhas ruínas, ergo-me
e ponho-me diante de
ti,
sozinho, desnudo,
despojado,
sobre a rocha imensa
do silêncio,
como um solitário
combatente
contra invisíveis
hostes.
Verdade abrasadora,
para o que me
empurras?
Não quero tua verdade,
tua insensata
pergunta.
Para que esta luta
estéril?
Não é o homem
criatura capaz de conter-te,
avidez que só na sede
se sacia,
chama a consumir todos
os lábios,
espírito que não vive
em nenhuma forma,
mas faz arder todas
as formas
com um fogo secreto e
indestrutível.
Porém insistes,
lágrima escarnecida,
e eriges em mim o teu
desolado império.
Sobes desde o mais
fundo de mim,
desde o centro
inominável de meu ser,
exército, maré.
Cresces, tua sede me
afoga,
expulsando, tirânica,
aquilo que não cede
à tua espada frenética.
Agora só tu me
habitas,
tu, sem nome, furiosa
substância,
avidez subterrânea,
delirante.
Açoitam meu peito os teus
fantasmas,
despertas ao meu
toque,
gelas minha fronte
e tornas proféticos
os meus olhos.
Percebo o mundo e te
toco,
substância intocável,
unidade de minha alma
e de meu corpo,
e contemplo o combate
que combato
e minhas bodas de
terra.
Nublam meus olhos
imagens opostas,
e, às mesmas imagens,
outras, mais
profundas, negam-nas,
qual um ardente
balbucio,
águas inundadas por
uma água mais oculta e densa.
(A escura onda
que nos arranca da
primeira cegueira
nasce do mesmo mar
escuro
em que nasce,
sombria,
a onda que nos leva à
terra:
suas águas se
confundem
e, em sua escuridão,
quietude e movimento se
assemelham.)
Insiste, vencedora,
porque existo tão
somente porque existes,
e minha boca e minha
língua se formaram
para externar tão apenas
a tua existência
e as tuas secretas
sílabas, palavra
impalpável e
despótica,
substância de minha
alma.
És tão somente um sonho,
porém em ti sonha o
mundo
e sua mudez fala com
tuas palavras.
Roço, ao tocar teu
peito,
a elétrica fronteira
da vida,
a treva de sangue
onde a boca cruel e
enamorada,
ávida ainda por
destruir o que ama
e por reviver o que
destrói,
faz um pacto com o
mundo, impassível
e sempre idêntico a
si mesmo,
porque não se detém
em nenhuma forma
nem se demora sobre o
que engendra.
Leva-me, solitária,
leva-me entre os
sonhos,
leva-me, mãe minha,
desperta-me plenamente,
faz-me sonhar teu
sonho,
unta meus olhos com
teus óleos,
para que ao
conhecer-te, me conheça.
14 e 15 de abril de
1941
Referência:
PAZ, Octavio. La
poesía. Letras de México, México D.F., año V, vol. III, n. 9, p. 3, 15
sep. 1941. Disponível neste endereço. Acesso em: 20 jun.
2024.
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