Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 11 de julho de 2024

Pablo Neruda - Ode ao Homem Simples

Como mensagem precípua deste longo poema de Neruda, distingue-se o seu propósito de sublinhar a importância da simplicidade e da conexão humanas, advogando pela unidade e pela solidariedade entre as pessoas: ao desejar conhecer o seu interlocutor – um genérico “homem simples” – e compreender em detalhes a sua vida, o falante, por extensão, busca desentranhar as linhas ocultas do tecido social e revelar-lhe a verdadeira essência.

 

O âmago da existência de cada qual também se revela no quotidiano, em suas lutas diárias por sobrevivência e contínuo aperfeiçoamento – não só pelo alimento orgânico que lhe vai pela boca, claro está, como também pelo nobre sustento de ordem espiritual –, embates esses diante dos quais muitos acabam por sucumbir, levando-os a desacreditar em suas próprias capacidades, presos que se tornam à sua débil vontade: é a tais pessoas que a voz lírica se dirige, instando-as a manter a esperança e a confiar na vitória individual e coletiva dos mais simples.

 

J.A.R. – H.C.

 

Pablo Neruda

(1904-1973)

 

Oda al Hombre Sencillo

 

Voy a contarte en secreto

quién soy yo,

así, en voz alta,

me dirás quién eres,

quiero saber quién eres,

cuánto ganas,

en qué taller trabajas,

en qué mina,

en qué farmacia,

tengo una obligación terrible

y es saberlo,

saberlo todo,

día y noche saber

cómo te llamas,

ése es mi oficio,

conocer una vida

no es bastante

ni conocer todas las vidas

es necesario,

verás,

hay que desentrañar,

rascar a fondo

y como en una tela

las líneas ocultaron,

con el color, la trama

del tejido,

yo borro los colores

y busco hasta encontrar

el tejido profundo,

así también encuentro

la unidad de los hombres,

y en el pan

busco

más allá de la forma:

me gusta el pan, lo muerdo,

y entonces

veo el trigo,

los trigales tempranos,

la verde forma de la primavera,

las raíces, el agua,

por eso

más allá del pan,

veo la tierra,

la unidad de la tierra,

el agua,

el hombre,

y así todo lo pruebo

buscándote

en todo,

ando, nado, navego,

hasta encontrarte,

y entonces te pregunto

cómo te llamas,

calle y número,

para que tú recibas

mis cartas,

para que yo te diga

quién soy y cuánto gano,

dónde vivo,

y cómo era mi padre.

Ves tú qué simple soy,

qué simple eres,

no se trata

de nada complicado,

yo trabajo contigo,

tú vives, vas y vienes

de un lado a otro,

es muy sencillo:

eres la vida,

eres tan transparente

como el agua,

y así soy yo,

mi obligación es ésa:

ser transparente,

cada día

me educo,

cada día me peino

pensando como piensas,

y ando

como tú andas,

como, como tú comes,

tengo en mis brazos a mi amor

como a tu novia tú,

y entonces

cuando esto está probado,

cuando somos iguales

escribo,

escribo con tu vida y con la mía,

con tu amor y los míos,

con todos tus dolores

y entonces

ya somos diferentes

porque, mi mano en tu hombro,

como viejos amigos

te digo en las orejas:

no sufras,

ya llega el día,

ven,

ven conmigo,

ven

con todos

los que a ti se parecen,

los más sencillos,

ven,

no sufras,

ven conmigo,

porque aunque no lo sepas,

eso yo sí lo sé:

yo sé hacia dónde vamos,

y es ésta la palabra:

no sufras

porque ganaremos,

ganaremos nosotros,

los más sencillos,

ganaremos,

aunque tú no lo creas,

ganaremos.

 

O homem simples

(Abdelhakim Chababi: artista marroquino)

 

Ode ao Homem Simples

 

Vou contar-te em segredo

quem sou eu,

assim, em voz alta,

me dirás quem és,

quero saber quem és,

quanto ganhas,

em que oficina trabalhas,

em que mina,

em que farmácia,

tenho uma obrigação terrível

que é conhecer-te,

saber tudo de ti,

dia e noite saber

como te chamas,

esse é meu ofício,

conhecer uma vida

não é bastante,

tampouco conhecer todas as vidas

é necessário,

verás,

há que desentranhar,

raspar a fundo

e como em uma tela

cujas linhas ocultaram,

com a cor, a trama

do tecido,

eu apago as cores

e busco até encontrar

o tecido profundo,

assim também encontro

a unidade dos homens,

e no pão

busco

para além da forma:

gosto de pão, mordo-o,

e então

vejo o trigo,

os trigais temporãos,

a verde forma da primavera,

as raízes, a água,

por isso

para além do pão,

vejo a terra,

a unidade da terra,

o homem,

e assim provo de tudo

buscando-te

em tudo,

ando, nado, navego

até encontrar-te,

e então te pergunto

como te chamas,

rua e número,

para que tu recebas

minhas cartas,

para que eu te diga

quem sou e quanto ganho,

onde vivo,

e como era meu pai.

Vês quão simples sou,

quão simples és,

não se trata

de nada complicado,

eu trabalho contigo,

tu vives, vais e vens

de um lado a outro,

é muito simples:

és a vida,

és tão transparente

como a água,

e assim sou eu,

minha obrigação é essa:

ser transparente,

todo dia

me educo,

todo dia me penteio

pensando como pensas,

e ando

como tu andas,

como, como tu comes,

tenho em meus braços o meu amor,

como tu a tua noiva,

e então

quando isto resta provado

– o fato de sermos iguais –,

ponho-me a escrever,

escrevo com tua vida e com a minha,

com teu amor e os meus,

com todas as tuas dores

e então

já somos diferentes

porque, minha mão em teu ombro,

como velhos amigos

digo-te aos ouvidos:

não sofras,

já chega o dia,

vem,

vem comigo,

vem

com todos

os que a ti se parecem,

os mais simples,

vem,

não sofras,

vem comigo,

porque ainda que não o saibas,

isto bem o sei:

eu sei para onde vamos,

e esta é a palavra:

não sofras

porque venceremos,

vamos vencer,

os mais simples,

venceremos,

ainda que não acredites,

venceremos.

 

Referência:

 

NERUDA, Pablo. Oda al hombre sencillo. In: __________. Antología popular. Edición de Manuel Márquez de la Plata. Prólogo de Salvador Allende. Madrid, ES: Editorial Edaf, jun. 2004. p. 145-148. (‘Bliblioteca Edaf’; n. 285)

Nenhum comentário:

Postar um comentário