Como mensagem precípua
deste longo poema de Neruda, distingue-se o seu propósito de sublinhar a
importância da simplicidade e da conexão humanas, advogando pela unidade e pela
solidariedade entre as pessoas: ao desejar conhecer o seu interlocutor – um genérico
“homem simples” – e compreender em detalhes a sua vida, o falante, por
extensão, busca desentranhar as linhas ocultas do tecido social e revelar-lhe a
verdadeira essência.
O âmago da existência
de cada qual também se revela no quotidiano, em suas lutas diárias por
sobrevivência e contínuo aperfeiçoamento – não só pelo alimento orgânico que
lhe vai pela boca, claro está, como também pelo nobre sustento de ordem espiritual
–, embates esses diante dos quais muitos acabam por sucumbir, levando-os a desacreditar
em suas próprias capacidades, presos que se tornam à sua débil vontade: é a tais
pessoas que a voz lírica se dirige, instando-as a manter a esperança e a confiar
na vitória individual e coletiva dos mais simples.
J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda
(1904-1973)
Oda al Hombre
Sencillo
Voy a contarte en
secreto
quién soy yo,
así, en voz alta,
me dirás quién eres,
quiero saber quién
eres,
cuánto ganas,
en qué taller
trabajas,
en qué mina,
en qué farmacia,
tengo una obligación
terrible
y es saberlo,
saberlo todo,
día y noche saber
cómo te llamas,
ése es mi oficio,
conocer una vida
no es bastante
ni conocer todas las
vidas
es necesario,
verás,
hay que desentrañar,
rascar a fondo
y como en una tela
las líneas ocultaron,
con el color, la
trama
del tejido,
yo borro los colores
y busco hasta
encontrar
el tejido profundo,
así también encuentro
la unidad de los
hombres,
y en el pan
busco
más allá de la forma:
me gusta el pan, lo
muerdo,
y entonces
veo el trigo,
los trigales
tempranos,
la verde forma de la
primavera,
las raíces, el agua,
por eso
más allá del pan,
veo la tierra,
la unidad de la
tierra,
el agua,
el hombre,
y así todo lo pruebo
buscándote
en todo,
ando, nado, navego,
hasta encontrarte,
y entonces te
pregunto
cómo te llamas,
calle y número,
para que tú recibas
mis cartas,
para que yo te diga
quién soy y cuánto
gano,
dónde vivo,
y cómo era mi padre.
Ves tú qué simple
soy,
qué simple eres,
no se trata
de nada complicado,
yo trabajo contigo,
tú vives, vas y
vienes
de un lado a otro,
es muy sencillo:
eres la vida,
eres tan transparente
como el agua,
y así soy yo,
mi obligación es ésa:
ser transparente,
cada día
me educo,
cada día me peino
pensando como
piensas,
y ando
como tú andas,
como, como tú comes,
tengo en mis brazos a
mi amor
como a tu novia tú,
y entonces
cuando esto está
probado,
cuando somos iguales
escribo,
escribo con tu vida y
con la mía,
con tu amor y los
míos,
con todos tus dolores
y entonces
ya somos diferentes
porque, mi mano en tu
hombro,
como viejos amigos
te digo en las
orejas:
no sufras,
ya llega el día,
ven,
ven conmigo,
ven
con todos
los que a ti se
parecen,
los más sencillos,
ven,
no sufras,
ven conmigo,
porque aunque no lo
sepas,
eso yo sí lo sé:
yo sé hacia dónde
vamos,
y es ésta la palabra:
no sufras
porque ganaremos,
ganaremos nosotros,
los más sencillos,
ganaremos,
aunque tú no lo
creas,
ganaremos.
O homem simples
(Abdelhakim Chababi:
artista marroquino)
Ode ao Homem Simples
Vou contar-te em
segredo
quem sou eu,
assim, em voz alta,
me dirás quem és,
quero saber quem és,
quanto ganhas,
em que oficina
trabalhas,
em que mina,
em que farmácia,
tenho uma obrigação
terrível
que é conhecer-te,
saber tudo de ti,
dia e noite saber
como te chamas,
esse é meu ofício,
conhecer uma vida
não é bastante,
tampouco conhecer
todas as vidas
é necessário,
verás,
há que desentranhar,
raspar a fundo
e como em uma tela
cujas linhas
ocultaram,
com a cor, a trama
do tecido,
eu apago as cores
e busco até encontrar
o tecido profundo,
assim também encontro
a unidade dos homens,
e no pão
busco
para além da forma:
gosto de pão,
mordo-o,
e então
vejo o trigo,
os trigais temporãos,
a verde forma da
primavera,
as raízes, a água,
por isso
para além do pão,
vejo a terra,
a unidade da terra,
o homem,
e assim provo de tudo
buscando-te
em tudo,
ando, nado, navego
até encontrar-te,
e então te pergunto
como te chamas,
rua e número,
para que tu recebas
minhas cartas,
para que eu te diga
quem sou e quanto
ganho,
onde vivo,
e como era meu pai.
Vês quão simples sou,
quão simples és,
não se trata
de nada complicado,
eu trabalho contigo,
tu vives, vais e vens
de um lado a outro,
é muito simples:
és a vida,
és tão transparente
como a água,
e assim sou eu,
minha obrigação é
essa:
ser transparente,
todo dia
me educo,
todo dia me penteio
pensando como pensas,
e ando
como tu andas,
como, como tu comes,
tenho em meus braços
o meu amor,
como tu a tua noiva,
e então
quando isto resta
provado
– o fato de sermos iguais
–,
ponho-me a escrever,
escrevo com tua vida
e com a minha,
com teu amor e os
meus,
com todas as tuas
dores
e então
já somos diferentes
porque, minha mão em teu
ombro,
como velhos amigos
digo-te aos ouvidos:
não sofras,
já chega o dia,
vem,
vem comigo,
vem
com todos
os que a ti se
parecem,
os mais simples,
vem,
não sofras,
vem comigo,
porque ainda que não
o saibas,
isto bem o sei:
eu sei para onde
vamos,
e esta é a palavra:
não sofras
porque venceremos,
vamos vencer,
os mais simples,
venceremos,
ainda que não acredites,
venceremos.
Referência:
NERUDA, Pablo. Oda al
hombre sencillo. In: __________. Antología popular. Edición de Manuel
Márquez de la Plata. Prólogo de Salvador Allende. Madrid, ES: Editorial Edaf, jun.
2004. p. 145-148. (‘Bliblioteca Edaf’; n. 285)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário