Atwood deixa a voz de
sua própria sombra – dir-se-ia o seu alter ego – falar, pondo em evidência o enfado
que sente em meio aos piqueniques da vida: note o leitor que, apesar de a
versão ao português – que abaixo apresento – conter as inflexões grafadas
explicitamente com os sinais de interrogação, o original os deixa em suspenso,
obviamente porque a autora procura denotar, nos versos correspondentes, muito
mais um sentido afirmativo do que indagativo em relação aos pontos sobre os quais
discorre.
Há um perceptível renunciar
da voz lírica no que pertine à inclinação pelas crianças, como se estas representassem
interesses infensos às suas próprias inclinações – ou, mesmo, a presença delas
não lhe trouxesse algum alento. Nada a estranhar, por conseguinte, no colorido
categórico do solilóquio dos versos finais: muito mais que simples sugestão de
si para si, uma decisão de seguir com o império da escrita, outorgando-lhe
prevalência em relação às outras vozes de comando.
J.A.R. – H.C.
Margaret Atwood
(n. 1939)
The shadow voice
My shadow said to me:
What is the matter
Isn’t the moon warm
enough for you
Why do you need
the blanket of
another body
Whose kiss is moss
Around the picnic
tables
the bright pink hands
hold sandwiches
crumbled by distance.
Flies crawl
over the sweet
instant
You know what is in
those baskets
The trees outside are
bending with
children shooting
guns. Leave
them alone. They are
playing
games of their own.
I give water, I give
clean crusts
Aren’t there enough
words
flowing in your veins
to keep you going
À sombra de uma
árvore
(Kuroda Seiki: pintor
japonês)
A voz da sombra
Disse-me minha
sombra:
O que é que se passa?
Não é a lua cálida
o suficiente para ti?
Por que necessitas
da coberta de outro
corpo
cujo beijo é limo?
Ao redor das mesas de
piquenique
as rosadas e
brilhantes mãos seguram sanduíches
esmigalhados pela
distância. As moscas rastejam
sobre a doçura do
instante.
Bem sabes o que há
nesses cestos.
Lá fora, as árvores
arqueiam-se sob o peso
das crianças
disparando suas armas. Deixa-as
em paz. Estão jogando
seus próprios jogos.
Dou-te água, dou-te côdeas
limpas.
Não há suficientes
palavras
fluindo em tuas veias
para seguires
adiante?
Referência:
ATWOOD, Margaret. The shadow voice. In: __________. The animals in that country. Toronto, CA: Oxford University Press (Canadian Branch), 1968. p. 7.
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