Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Margaret Atwood - A voz da sombra

Atwood deixa a voz de sua própria sombra – dir-se-ia o seu alter ego – falar, pondo em evidência o enfado que sente em meio aos piqueniques da vida: note o leitor que, apesar de a versão ao português – que abaixo apresento – conter as inflexões grafadas explicitamente com os sinais de interrogação, o original os deixa em suspenso, obviamente porque a autora procura denotar, nos versos correspondentes, muito mais um sentido afirmativo do que indagativo em relação aos pontos sobre os quais discorre.

 

Há um perceptível renunciar da voz lírica no que pertine à inclinação pelas crianças, como se estas representassem interesses infensos às suas próprias inclinações – ou, mesmo, a presença delas não lhe trouxesse algum alento. Nada a estranhar, por conseguinte, no colorido categórico do solilóquio dos versos finais: muito mais que simples sugestão de si para si, uma decisão de seguir com o império da escrita, outorgando-lhe prevalência em relação às outras vozes de comando.

 

J.A.R. – H.C.

 

Margaret Atwood

(n. 1939)

 

The shadow voice

 

My shadow said to me:

What is the matter

 

Isn’t the moon warm

enough for you

Why do you need

the blanket of another body

 

Whose kiss is moss

 

Around the picnic tables

the bright pink hands hold sandwiches

crumbled by distance. Flies crawl

over the sweet instant

 

You know what is in those baskets

 

The trees outside are bending with

children shooting guns. Leave

them alone. They are playing

games of their own.

 

I give water, I give clean crusts

 

Aren’t there enough words

flowing in your veins

to keep you going

 

À sombra de uma árvore

(Kuroda Seiki: pintor japonês)

 

A voz da sombra

 

Disse-me minha sombra:

O que é que se passa?

 

Não é a lua cálida

o suficiente para ti?

Por que necessitas

da coberta de outro corpo

 

cujo beijo é limo?

 

Ao redor das mesas de piquenique

as rosadas e brilhantes mãos seguram sanduíches

esmigalhados pela distância. As moscas rastejam

sobre a doçura do instante.

 

Bem sabes o que há nesses cestos.

 

Lá fora, as árvores arqueiam-se sob o peso

das crianças disparando suas armas. Deixa-as

em paz. Estão jogando

seus próprios jogos.

 

Dou-te água, dou-te côdeas limpas.

 

Não há suficientes palavras

fluindo em tuas veias

para seguires adiante?

 

Referência:

 

ATWOOD, Margaret. The shadow voice. In: __________. The animals in that country. Toronto, CA: Oxford University Press (Canadian Branch), 1968. p. 7.

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