Não há quem, lendo o
título do poema em epígrafe, de autoria da nomeada poetisa peruana, deixe de
associá-lo, de algum modo, a certa obra do seu compatriota Mario Vargas Llosa –
qual seja, “Travesuras de la niña mala” (“Travessuras da menina má”), de 2006 –,
ou mesmo a determinada passagem da composição da dupla Cazuza & Frejat,
“Malandragem”, sucesso na voz da cantora Cássia Eller (1962-2001): “rezando
baixo pelos cantos / por ser uma menina má”.
Mas veja-se lá que o
propósito visível de Emilia vai mais além: é desafiar a visão machista acerca do modo de como as
mulheres devem se comportar nos relacionamentos – muito em linha com os valores
puritanos sobre castidade e sexo –, opondo relato ao contrário do que ocorre
com muito mais frequência na sociedade, vale dizer, o homem a trair de forma
reiterada a sua companheira.
No âmbito da literatura,
recordo-me de passagens pungentes do livro “A Letra Escarlate”, de Nathaniel
Hawthorne, nas quais a protagonista Hester Prynne é condenada pelo crime de
adultério e sentenciada a usar uma ostensiva letra escarlate “A” (de “adulteress”)
sobre suas vestes, sendo doravante desprezada pelos seus concidadãos e renegada publicamente.
J.A.R. – H.C.
María Emilia Cornejo
(1949-1972)
Soy la muchacha mala
de la historia
Soy
la muchacha mala de
la historia,
la que fornicó con
tres hombres
y le sacó cuernos a
su marido.
Soy la mujer
que lo engañó cotidianamente
por un miserable
plato de lentejas,
la que le quitó
lentamente su ropaje de bondad
hasta convertirlo en
una piedra
negra y estéril,
soy la mujer que lo
castró
con infinitos gestos
de ternura
y gemidos falsos en
la cama.
Soy
la muchacha mala de
la historia.
Hester Prynne e Pearl no cadafalso
(Ilustração de Mary
Hallock Foote
para ‘A Letra Escarlate’)
Sou a garota má da
história
Sou
a garota má da
história,
a que fornicou com
três homens
e colocou chifres em
seu marido.
Sou a mulher
que o enganou
cotidianamente
por um mísero prato
de lentilhas,
a que lhe tirou
lentamente a roupagem de bondade
até convertê-lo em
uma pedra
negra e estéril,
sou a mulher que o
castrou
com infinitos gestos
de ternura
e gemidos falsos na
cama.
Sou
a garota má da
história.
Referência:
CORNEJO, María
Emilia. Soy la muchacha mala de la historia / Sou a garota má da história.
Tradução de Márcia Marques Marinho Castro. (n.t.) Revista Literária em
Tradução. Florianópolis, SC. Edição bilíngue semestral, ano 10, n. 20, 1.
vol., jun. 2020. Em espanhol: p. 42; em português: p. 57. Disponível neste endereço. Acesso em: 22 abr.
2024.
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