Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 28 de abril de 2024

María Emilia Cornejo - Sou a garota má da história

Não há quem, lendo o título do poema em epígrafe, de autoria da nomeada poetisa peruana, deixe de associá-lo, de algum modo, a certa obra do seu compatriota Mario Vargas Llosa – qual seja, “Travesuras de la niña mala” (“Travessuras da menina má”), de 2006 –, ou mesmo a determinada passagem da composição da dupla Cazuza & Frejat, “Malandragem”, sucesso na voz da cantora Cássia Eller (1962-2001): “rezando baixo pelos cantos / por ser uma menina má”.

 

Mas veja-se lá que o propósito visível de Emilia vai mais além: é desafiar a visão machista acerca do modo de como as mulheres devem se comportar nos relacionamentos – muito em linha com os valores puritanos sobre castidade e sexo –, opondo relato ao contrário do que ocorre com muito mais frequência na sociedade, vale dizer, o homem a trair de forma reiterada a sua companheira.

 

No âmbito da literatura, recordo-me de passagens pungentes do livro “A Letra Escarlate”, de Nathaniel Hawthorne, nas quais a protagonista Hester Prynne é condenada pelo crime de adultério e sentenciada a usar uma ostensiva letra escarlate “A” (de “adulteress”) sobre suas vestes, sendo doravante desprezada pelos seus concidadãos e renegada publicamente.

 

J.A.R. – H.C.

 

María Emilia Cornejo

(1949-1972)

 

Soy la muchacha mala de la historia

 

Soy

la muchacha mala de la historia,

la que fornicó con tres hombres

y le sacó cuernos a su marido.

 

Soy la mujer

que lo engañó cotidianamente

por un miserable plato de lentejas,

la que le quitó lentamente su ropaje de bondad

hasta convertirlo en una piedra

negra y estéril,

soy la mujer que lo castró

con infinitos gestos de ternura

y gemidos falsos en la cama.

 

Soy

la muchacha mala de la historia.

 

Hester Prynne e Pearl no cadafalso

(Ilustração de Mary Hallock Foote

para ‘A Letra Escarlate’)

 

Sou a garota má da história

 

Sou

a garota má da história,

a que fornicou com três homens

e colocou chifres em seu marido.

 

Sou a mulher

que o enganou cotidianamente

por um mísero prato de lentilhas,

a que lhe tirou lentamente a roupagem de bondade

até convertê-lo em uma pedra

negra e estéril,

sou a mulher que o castrou

com infinitos gestos de ternura

e gemidos falsos na cama.

 

Sou

a garota má da história.

 

Referência:

 

CORNEJO, María Emilia. Soy la muchacha mala de la historia / Sou a garota má da história. Tradução de Márcia Marques Marinho Castro. (n.t.) Revista Literária em Tradução. Florianópolis, SC. Edição bilíngue semestral, ano 10, n. 20, 1. vol., jun. 2020. Em espanhol: p. 42; em português: p. 57. Disponível neste endereço. Acesso em: 22 abr. 2024.

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