Perpassado por certa
religiosidade que se convola em facundas indagações, o poeta objeta contra
aqueles que, amparados num lastro de racionalidade, veem no ser humano apenas a
efemeridade da forma – digo melhor, do corpo –, simples matéria orgânica em
contínua transformação, sendo a sua contraparte – a alma – não mais que um mito,
cujas místicas celestiais não logram torná-lo menos evanescente.
Com efeito, dizem os contendores que seríamos como que frágeis gusanos (deduza-se a metáfora alusiva à transmutação
lagarta – crisálida – borboleta), que um dia eclodem e logo se dão conta do seu
exíguo prazo de validade. Mas o falante enxerga na metamorfose consumada pela
morte, a possibilidade de a Alma (assim com letra maiúscula) – essa vivaz mariposa
multicor – aprimorar-se ainda mais no incógnito mundo do devir.
J.A.R. – H.C.
Ângelo de Lima
(1872-1921)
Dizem os sábios que
já nada ignoram
Dizem os sábios que
já nada ignoram
Que alma, é um
mito!...
Eles que há muito, em
vão, dos céus exploram
O almo infinito...
Eles, que nunca
achavam no ente humano
Mais que esta face
De ser finito,
orgânico, o gusano
Que morre e nasce,
Fundam-se na razão.
E a razão erra!...
Quem da lagarta a
rastejar na terra
Pode supor,
Sonhar sequer, que um
dia há-de nascer
A borboleta, aquela
alada flor
Matiz dos céus?
Sábios, achai em vão
o pode ser
Saber... só Deus.
O homem rasteja,
semelhante ao verme
Por que não há-de a
paz da sepultura
– Quanto labor sob a
aparente calma!
Servir d’abrigo
àquele ser inerme,
De que há-de um dia
após tarefa oscura
Surgir vivaz, alada e
flor, a Alma.
De lagarta a
borboleta
(Fionn Wrifgt: artista
norte-americano)
Referência:
LIMA, Ângelo de. Dizem os sábios que já nada ignoram. In: REIS-SÁ, Jorge; LAGE, Rui (Selecção, organização, introdução e notas). Poemas portugueses: antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI. Prefácio de Vasco Graça Moura. 1. ed. Porto, PT: Porto Editora, 2009. p. 970.
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