Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Ângelo de Lima - Dizem os sábios que já nada ignoram

Perpassado por certa religiosidade que se convola em facundas indagações, o poeta objeta contra aqueles que, amparados num lastro de racionalidade, veem no ser humano apenas a efemeridade da forma – digo melhor, do corpo –, simples matéria orgânica em contínua transformação, sendo a sua contraparte – a alma – não mais que um mito, cujas místicas celestiais não logram torná-lo menos evanescente.

 

Com efeito, dizem os contendores que seríamos como que frágeis gusanos (deduza-se a metáfora alusiva à transmutação lagarta – crisálida – borboleta), que um dia eclodem e logo se dão conta do seu exíguo prazo de validade. Mas o falante enxerga na metamorfose consumada pela morte, a possibilidade de a Alma (assim com letra maiúscula) – essa vivaz mariposa multicor – aprimorar-se ainda mais no incógnito mundo do devir.

 

J.A.R. – H.C.

 

Ângelo de Lima

(1872-1921)

 

Dizem os sábios que já nada ignoram

 

Dizem os sábios que já nada ignoram

Que alma, é um mito!...

Eles que há muito, em vão, dos céus exploram

O almo infinito...

Eles, que nunca achavam no ente humano

Mais que esta face

De ser finito, orgânico, o gusano

Que morre e nasce,

Fundam-se na razão.

E a razão erra!...

 

Quem da lagarta a rastejar na terra

Pode supor,

Sonhar sequer, que um dia há-de nascer

A borboleta, aquela alada flor

Matiz dos céus?

Sábios, achai em vão o pode ser

Saber... só Deus.

 

O homem rasteja, semelhante ao verme

Por que não há-de a paz da sepultura

– Quanto labor sob a aparente calma!

Servir d’abrigo àquele ser inerme,

De que há-de um dia após tarefa oscura

Surgir vivaz, alada e flor, a Alma.

 

De lagarta a borboleta

(Fionn Wrifgt: artista norte-americano)

 

Referência:

 

LIMA, Ângelo de. Dizem os sábios que já nada ignoram. In: REIS-SÁ, Jorge; LAGE, Rui (Selecção, organização, introdução e notas). Poemas portugueses: antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI. Prefácio de Vasco Graça Moura. 1. ed. Porto, PT: Porto Editora, 2009. p. 970.

 

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