O poeta quase nos faz
lembrar as palavras de Deus a Adão, em passagem do Gênesis 3:19, a dar-lhe ciência
que seria pó e ao pó haveria de tornar: plena matéria orgânica, nem
estabilidade há na poeira que resulta de um passado humano, em cotejo, v.g., à matéria
inerte de coisas preciosas, como “o cobre, o ouro e o mármore”.
Amichai, mais
amplamente, aglutina na ideia de poeira não só o que resta de vidas humanas transatas,
mas também suas manifestações d’alma, suas esperanças, todas as palavras que
saíram de suas bocas e que deram ordem temporária ao mundo à volta, mundo do
qual, agora, restam apenas vestígios arqueológicos a partir dos quais a grande História
se aperfeiçoa em sua narrativa.
J.A.R. – H.C.
Yehuda Amichai
(1924-2000)
At an Archaeological
Site
At an archaeological
site
I saw fragments of
precious vessels, well cleaned
and groomed and oiled
and spoiled.
And beside it I saw a
heap of discarded dust
which wasn’t even
good for thorns and thistles
to grow on.
I asked: What is this
gray dust which
has been pushed
around and sifted
and tortured and then
thrown away?
I answered in my
heart: This dust
is people like us,
who during their
lifetime lived
separated from
copper and gold and
marble stones
and all other
precious things –
and they remained so
in death.
We are this heap of
dust, our
bodies, our souls,
all the words
in our mouths, all hopes.
Sítio Arqueológico
(Gravura de autoria
desconhecida)
Em um Sítio
Arqueológico
Em um sítio
arqueológico
vi fragmentos de
preciosos recipientes, limpos,
arrumados, untados e bem
cuidados.
Junto a eles vi
também um monte de pó descartado
que sequer serviria
para que espinheiros e cardos
nele prosperassem.
Perguntei-me: O que
seria este pó cinzento
que foi chacoalhado,
peneirado,
torturado e depois
deitado fora?
Respondi em meu
coração: Este pó
são pessoas como nós,
que durante suas
vidas foram separadas
do cobre, do ouro, do
mármore
e de todas as outras
coisas preciosas –
e assim permaneceram
na morte.
Somos este monte de
pó, nossos
corpos, nossas almas,
todas as palavras
em nossas bocas, todas
as esperanças.
Referência:
AMICHAI, Yehuda. At
an Archaeological site. In: __________. Poems of Jerusalem. A bilingual
edition: hebrew x english. Translations by the author and Ted Hughes. New York,
NY: Harper & Row Publishers, 1988. p. 97.
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