Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 16 de abril de 2024

Hilda Hilst - Esse poeta em mim sempre morrendo

Perpassa um espectro de paixão algo platônica em toda a série que integra os “Dez chamamentos ao amigo” – composição que parodia as clássicas “canções de amigo” trovadorescas –, sendo a infratranscrita seção X uma das que mais evidencia a falante a pervagar pela ilimitada região da poesia, um tanto confrangida, é verdade, entre a “matéria da solidão” e os absortos pensamentos centrados no dileto “amigo”.

 

Não pense o leitor que tudo não passe de mero exercício de imaginação da poetisa, para dar vazão aos seus propósitos líricos! Afinal, o poemário “Júbilo, memória, noviciado da paixão”, de 1974 – de onde transcrito o poema em comento –, possui uma dedicatória que não deixa margem a dúvidas sobre a existência real do “amigo” a quem direcionado: “A M.N. / porque ele existe”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Hilda Hilst

(1930-2004)

 

Dez chamamentos ao amigo

 

IX

 

Esse poeta em mim sempre morrendo

Se tenta repetir salmodiado:

Como te conhecer, arquiteto do tempo

Como saber de mim, sem te saber?

Algidez do teu gesto, minha cegueira

E o casto incendiado momento

Se ao teu lado me vejo. As tardes

Fiandeiras, as tardes que eu amava,

Matéria da solidão, íntimas, claras

Sofrem a sonolência de umas águas

Como se um barco recusasse sempre

A liquidez. Minhas tardes dilatadas

 

Sobre-existindo apenas

Porque à noite retomo a minha verdade:

Teu contorno, teu rosto, álgido sim

 

E por isso, quem sabe, tão amado.

 

Em: “Júbilo, memória, noviciado da paixão” (1974)

 

Senhora do Mistério

(Edward M. Eggleston: pintor norte-americano)

 

Referência:

 

HILST, Hilda. Esse poeta em mim sempre morrendo. In: __________. Da poesia. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. p. 236.

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