A crítica ao “império
da banalidade” no mercado das obras literárias leva o poeta a sugerir que as
personagens deveriam exterminar os autores, a cada vez que se prestassem aos
intentos de uma segunda edição, de superexposição e entrevistas na mídia ou,
ainda, à sofreguidão por rendimentos em escalas sempre mais e mais crescentes.
Por extensão, penso
que também valham as percepções do poeta para uma outra situação bastante
frequente, a saber, a atinente às sagas intermináveis, a exemplo das que costumam
ocupar as telas de cinema – redigidas no mais das vezes por roteiristas, quando
não por escritores que se rendem ao serviço da indústria cultural –, que ficam
a rolar numa sequência com claros propósitos arrecadatórios.
J.A.R. – H.C.
José Jorge Letria
(n. 1951)
Para que se possa
salvar a literatura
Gosto das personagens
que morrem
antes do fim das
histórias. É a vida.
As que sobrevivem
estão condenadas
a um purgatório do
qual
nenhuma ficção as
resgatará.
As personagens devem
ser como os remédios:
devem ter um prazo de
validade.
Não gosto que se
pergunte:
o que terá acontecido
a Bernardo
e a Luísa depois
daquele drama?
Há questões que a
literatura não pode
nem deve deixar em
suspenso. É fatal.
Hoje escreve-se já
para a segunda edição,
para a cinta que
proclama o êxito,
para a entrevista na
revista do semanário,
para o império da
banalidade.
A sofreguidão do novo
leva o mercado
a chamar escritores a
alguns transeuntes
que acidentalmente
decidiram
fazer da literatura
um rendimento fixo,
uma escada em espiral
para a glória
dos consultórios de
dentista.
Nestes casos
particulares deviam ser as personagens
a exterminar os
autores. Para quê?
Para que se possa
ainda salvar a literatura.
O Jardim de Armida
(David Teniers, o
Jovem: pintor flamengo)
Referência:
LETRIA, José Jorge. Para que se possa salvar a literatura. In: __________. O livro branco da melancolia. Lisboa, PT: Quetzal Editores, 2001. p. 94-95.
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