No contingente mundo
heraclitiano, tudo são expectativas de mudança para a outra margem do que quer
que seja, um tempo de aguardo, experimentado na pele de um navegante que sequer
se dispõe a lançar âncoras para estabilizar sua nau, tampouco a perscrutar os
céus e os mares à procura de presságios para perigos ou venturas – mesmo porque
tais são os elementos que permeiam toda a existência, e infrequentes as miradas
de terceiro grau.
Nesse estado de
distensão, vive-se o fluxo: há tempo suficiente para se contemplar as ondas,
desfrutar o vento, apreciar a paisagem, até que um novo amanhecer se descortine
no horizonte, trazendo outros matizes, outras “promessas divinas da esperança”,
logo sequenciadas por ulteriores perspectivas nesse cenário multíplice.
J.A.R. – H.C.
Fernando Moreira
Salles
(n. 1946)
Navegante
Hei de aprender a
outra margem
F. Alvim
hoje
ergo velas
e fixo o lastro
à minha quilha
a proa incauta
vou, sem luzes
ao liso horizonte
do amanhecer
não largo amarras
desta feita
pois nem sequer
soube atá-las
não sei dos astros
pro meu sextante
nem de sereias
por estes mares
mas posso, ainda
olhar as ondas
viver o vento
e a espera
Sozinho pelo mar
(Ken Wood: pintor norte-americano)
Referência:
SALLES, Fernando Moreira. Navegante. In: __________. A chave do mar. Desenhos de Paulo Monteiro. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2010. p. 20.
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