Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 26 de abril de 2024

Pablo Neruda - Só a morte

O tom elegíaco tem tudo a ver com o conteúdo deste poema de Neruda, pejado de alusões e metáforas sombrias sobre a morte, esse “almirante” de trajes negros, com amplos poderes para nos apartar do rio da vida, inserindo um ponto final no livro em que inscritas todas as passagens por nós usufruídas e avaliadas como positivas ou significativas.

 

Os versos bem traduzem o quanto de angustiante e de assustador a morte representa para os humanos – tanto mais em razão de que temos consciência de sua inevitabilidade e proximidade –, sendo ela, por isso mesmo, retratada por um amplo espectro de inexoráveis simbolismos (não exatamente os mesmos para aqueles que admitem outros transcendentes domínios, pois que contemplam a morte apenas como uma das portas por onde passa o ciclo da vida).

 

J.A.R. – H.C.

 

Pablo Neruda

(1904-1973)

 

Sólo la muerte

 

Hay cementerios solos,

tumbas llenas de huesos sin sonido,

el corazón pasando un túnel

oscuro, oscuro, oscuro,

como un naufragio hacia adentro nos morimos,

como ahogarnos en el corazón,

como irnos cayendo desde la piel al alma.

 

Hay cadáveres,

hay pies de pegajosa losa fría,

hay la muerte en los huesos,

como un sonido puro,

como un ladrido sin perro,

saliendo de ciertas campanas, de ciertas tumbas,

creciendo en la humedad como el llanto o la lluvia.

 

Yo veo, solo, a veces,

ataúdes a vela

zarpar con difuntos pálidos, con mujeres

de trenzas muertas,

con panaderos blancos como ángeles,

con niñas pensativas casadas con notarios,

ataúdes subiendo el río vertical de los muertos,

el río morado,

hacia arriba, con las velas hinchadas por el sonido

de la muerte,

hinchadas por el sonido silencioso de la muerte.

 

A lo sonoro llega la muerte

como un zapato sin pie, como un traje sin hombre,

llega a golpear con un anillo sin piedra y sin dedo,

llega a gritar sin boca, sin lengua, sin garganta.

Sin embargo sus pasos suenan

y su vestido suena, callado, como un árbol.

 

Yo no sé, yo conozco poco, yo apenas veo,

pero creo que su canto tiene color de violetas húmedas,

de violetas acostumbradas a la tierra

porque la cara de la muerte es verde,

y la mirada de la muerte es verde,

con la aguda humedad de una hoja de violeta

y su grave color de invierno exasperado.

 

Pero la muerte va también por el mundo vestida

de escoba,

lame el suelo buscando difuntos,

la muerte está en la escoba,

es la lengua de la muerte buscando muertos,

es la aguja de la muerte buscando hilo.

La muerte está en los catres:

en los colchones lentos, en las frazadas negras

vive tendida, y de repente sopla:

sopla un sonido oscuro que hincha sábanas,

y hay camas navegando a un puerto

en donde está esperando, vestida de almirante.

 

En: “Residencia en la tierra II” (1931-1935)

 

A Visita da Morte

(Adolph Menzel: pintor alemão)

 

Só a morte

 

Há cemitérios solitários,

tumbas cheias de ossos sem som,

o coração passando por um túnel

escuro, escuro, escuro,

como se por dentro morrêssemos num naufrágio,

como se afogássemos no coração,

como se caíssemos da pele até a alma.

 

Há cadáveres,

há pés de laje fria e pegajosa,

há a morte nos ossos,

como um som puro,

como um latido sem cão,

saindo de certos sinos, de certos túmulos,

crescendo na umidade como o pranto ou a chuva.

 

Vejo, sozinho, às vezes,

ataúdes a vela

zarparem com defuntos pálidos, com mulheres

de tranças mortas,

com padeiros brancos como anjos,

com meninas pensativas casadas com notários;

ataúdes subindo o rio vertical dos mortos,

o rio purpúreo,

a montante, com as velas inchadas pelo som da morte,

inchadas pelo silencioso som da morte.

 

A morte vem a soar

como um sapato sem pé, com um fato sem homem,

a golpear com um anel sem pedra e sem dedo,

a gritar sem boca, sem língua, sem garganta.

No entanto, seus passos soam

e seu vestido soa, calado, como uma árvore.

 

Não sei, pouco conheço, mal consigo ver,

mas acredito que o seu canto tem a cor de violetas úmidas,

de violetas acostumadas à terra

porque a face da morte é verde,

e o olhar da morte é verde,

com a aguda umidade de uma folha de violeta

e a sua grave cor de inverno exasperado.

 

Mas a morte também percorre o mundo vestida de vassoura,

lambe o chão em busca de defuntos,

a morte está na vassoura,

é a língua da morte em busca de mortos,

é a agulha da morte em busca de fio.

A morte está nos catres:

nos colchões lentos, nas cobertas negras

vive estendida, e de repente sopra:

sopra um som lúgubre que incha os lençóis,

e há leitos navegando a um porto

onde ela os espera, vestida de almirante.

 

Em: “Residência na terra II” (1931-1935)

 

Referência:

 

NERUDA, Pablo. Sólo la muerte. In: __________. Antología poética. Edición de Rafael Alberti. 1. ed. La Plata, AR: Planeta, nov. 1996. p. 69-70. (Ediciones ‘Planeta Bolsillo’)

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