Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 23 de abril de 2024

Gastón Baquero - Breve viagem noturna

A partir de uma lenda africana (e quem sabe de quantos outros povos) – segundo a qual a alma, enquanto o homem dorme, enceta viagem à lua, ao corpo retornando pouco antes de despertar –, o poeta cubano lavra os presentes versos, envolvendo-os numa pertinente atmosfera de sonho, da qual a mãe do falante sequer suspeita, estando ao seu lado.

 

A julgar pelas palavras empregadas, o ente lírico, em vigília imerso na mundanidade terrena, sente-se “preso” neste mundo, alcançando a plena liberdade durante o descanso, quando o inconsciente dá largas a circunstâncias fantasiosas, muitas delas com a leveza própria da infância, transitando sem impasses pelo paraíso celeste.

 

J.A.R. – H.C.

 

Gastón Baquero

(1914-1997)

 

Breve viaje nocturno

 

Según la leyenda africana,

el alma del durmiente va a la luna.

 

Mi madre no sabe que por la noche,

cuando ella mira mi cuerpo dormido

y sonríe feliz sintiéndome a su lado,

mi alma sale de mí, se va de viaje

guiada por elefantes blanquirrojos,

y toda la tierra queda abandonada,

y ya no pertenezco a la prisión del mundo,

pues llego hasta la luna, desciendo

en sus verdes ríos y en sus bosques de oro,

y pastoreo rebaños de tiernos elefantes,

y cabalgo los dóciles leopardos de la luna,

y me divierto en el teatro de los astros

contemplando a Júpiter danzar, reír a Hyleo.

 

Y mi madre no sabe que al otro día,

cuando toca en mi hombro y dulcemente llama,

yo no vengo del sueño: yo he regresado

pocos instantes antes, después de haber sido

el más feliz de los niños, y el viajero

que despaciosamente entra y sale del cielo,

cuando la madre llama y obedece el alma.

 

1962

 

Um sonho

(Olivier Menanteau: artista francês)

 

Breve viagem noturna

 

Segundo a lenda africana,

a alma do adormecido vai à lua.

 

Minha mãe não sabe que durante a noite,

quando ela olha para o meu corpo adormecido

e sorri feliz ao sentir-me a seu lado,

minha alma, saindo de mim, parte em viagem

guiada por elefantes alvirrubros,

e toda a terra fica deserta,

e já não pertenço à prisão do mundo,

pois logo chego à lua, desço

em seus verdes rios e bosques dourados,

pastoreio manadas de ternos elefantes,

cavalgo os dóceis leopardos lunares,

e entretenho-me no teatro dos astros

assistindo à dança de Júpiter e ao riso de Hileu. (*)

 

E, no dia seguinte, minha mãe não sabe,

quando toca meu ombro e chama-me docemente,

que não venho do sonho: voltei

alguns momentos antes, depois de ter sido

a mais feliz das crianças, e o viajante

que lentamente entra e sai do céu,

quando a mãe chama e a alma obedece.

 

1962

 

Nota:

 

(*). A rigor, dúvidas ainda me inquietam sobre a pesquisa que levei a efeito para deslindar as razões de o poeta fazer menção a “Hyleo” e o seu riso, tanto mais em face de que o aludido nome tem algo em seu radical que me faz lembrar a palavra “hilário” – adjetivo em franca associação com o substantivo “riso”. Seja como for, vão aqui os pontos por mim levantados, podendo o internauta acrescer, ratificar ou retificar, em eventuais comentários, o quanto neles se dilucida.

 

Hyleo, ou Hileu, no âmbito da mitologia grega, é um dos centauros arcádios que procuravam raptar Atalanta para violentá-la, tendo ferido gravemente Milânion, um dos pretendentes da jovem, que, em desagravo, matou-o com uma de suas flechas. Outra distinta tradição advogava que Hileu participou na luta entre os Centauros e os Lápidas, tendo sido morto não por Atalanta, mas por Teseu; ou ainda, por Héracles (Hércules), em combate nas terras de Folo. (GRIMAL, 2005, p. 228)

 

Considerando o sentido astronômico deduzível ao verso no qual se nomeia Hileu, cumpre observar que os centauros são corpos celestes menores, a meio caminho entre os asteroides e os cometas, logo justificável tal designação em face de os centauros serem criaturas metade homens metade cavalos.

 

Nada obstante, o correspondente nome em grafia latina, “Hylaeus”, diz respeito a um exoplaneta, isto é, um planeta fora do sistema solar – e não a um centauro –, identificado como “HD 117618 b”, muito embora pertencente à constelação de Centaurus (v. neste endereço).

 

Referências:

 

BAQUERO, Gastón. Breve viaje nocturno. In: WEISS, Mark (Ed.). The whole island: six decades of cuban poetry. A bilingual anthology: spanish x english. Berkeley and Los Angeles, CA: University of California Press, 2009. p. 120.

 

GRIMAL, Pierre. Dicionário da mitologia grega e romana. Tradução de Victor Jabouille. 5. ed. Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil, 2005.

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