Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 17 de abril de 2024

Nicanor Parra - A cruz

Que a poesia de Parra tem muito de iconoclasta, provocativa, incitadora a saltos intrépidos de perspectiva, já não há tanto a se expender em palavras: melhor é deixar a lírica do próprio autor chileno dizer por si, como nas linhas deste breve poema, a moverem o leitor, de início, a um determinado caminho – pretensamente hierático –, mas que, ao fim, se nos revela profano demais!

 

O título concedido ao poema – “A cruz” –, com toda a sua carga polissêmica, muito se presta a criar a ambivalência tencionada pelo poeta, vertida em opostos como o sacro e o obsceno, o transcendente e o vulgar, o espiritual e o material, o conspícuo e o pilhérico, podendo-se deduzir, pela forma como dispostos os versos, que Parra deixa para explicitar, no final, o “modus vivendi” que mais lhe apraz.

 

J.A.R. – H.C.

 

Nicanor Parra

(1914-2018)

 

La cruz

 

Tarde o temprano llegaré sollozando

a los brazos abiertos de la cruz.

 

Más temprano que tarde caeré

de rodillas a los pies de la cruz.

 

Tengo que resistirme

para no desposarme con la cruz:

¡ven como ella me tiende los brazos?

 

No será hoy

mañana

ni pasado

mañana

pero será lo que tiene que ser.

 

Por ahora la cruz es un avión

una mujer con las piernas abiertas.

 

Em: “Obra gruesa” (1969)

 

Mulher sentada com as pernas abertas

(Gustav Klimt: pintor austríaco)

 

A cruz

 

Cedo ou tarde chegarei soluçando

Aos braços abertos da cruz.

 

Mais cedo que tarde cairei

Ajoelhado aos pés da cruz.

 

Tenho que resistir

Para não me casar com a cruz:

Veem como ela me estende os braços?

 

Não será hoje

 amanhã

  nem depois

de amanhã

mas será o que tem de ser.

 

Por enquanto a cruz é um avião

uma mulher com as pernas abertas.

 

Em: “Obra grossa” (1969)

 

Referência:

 

PARRA, Nicanor. La cruz / A cruz. Tradução de Joana Barossi e Cide Piquet. In: __________. Só para maiores de cem anos: antologia (anti)poética. Seleção e tradução de Joana Barossi e Cide Piquet. Edição bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Editora 34, 2018. Em espanhol: p. 239; em português: p. 126.

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