Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Hans M. Enzensberger - Em Memória de William Carlos Williams

Enzensberger descreve de maneira divertida os modos despretensiosos do poeta W.C.W., médico de formação, pouco ou nada a se importar com a crítica literária profissional, desobrigado a seguir estritos modelos de escrita, preferindo incursionar pelos detalhes, lidando com formas e insumos inusitados, sem descuidar de sua perspectiva objetivista.

 

Até para ilustrar aquilo que enfatiza em sua apreciação sobre a vida e a obra do poeta norte-americano, Enzensberger transcreve, nos derradeiros versos deste memorial, breves seções de dois dos poemas mais divulgados desse indiscutível mestre da poesia contemporânea, a saber, “This is just to say” (“Isto é só para dizer”) e “Pastoral” (“Pastoral”).

 

J.A.R. – H.C.

 

Hans M. Enzensberger

(1929-2022)

 

Zum Andenken an William Carlos Williams

 

In seinem letzten Jahr war er fast blind,

heiter und sonderbar,

vertrat keine Ansichten, sah

nicht in die Röhre, las

keine Rezensionen,

weder Look noch Life.

 

Keine “repräsentative Figur”:

Landarzt in Rutherford, New Jersey.

Keine Galadiners chez Kennedy:

eine Holzveranda,

“mit einem Blaugrün bemalt, das mir,

verwaschen, vergilbt, besser gefällt

als alle anderen Färben”.

 

Für die Stockholmer Akademie

nicht ganz das Richtige,

für die Reporter unergiebig,

für Look nicht blind genug,

für Life lebendig

mit seinen achtzig Jahren,

sah er in seinem Hinterhof mehr

als ganz New York über zwölf Kanäle:

 

Hühner und kranke Leute,

das Licht und die Finsternis.

 

Nahm die Brille ab:

“Die Pflaumen im Eisschrank so süß und kalt” und

“Der Schritt des Alten, der Dünger sammelt,

ist majestätischer

als der von Hochwürden am Sonntag”.

 

Sah die Finsternis und das Licht,

vergaß die Hühner nicht,

war genau

und sonderbar heiter.

 

William Carlos Williams

(1883-1963)

 

Em Memória de William Carlos Williams

 

No seu último ano ele era praticamente cego,

animado e peculiar,

não expressou qualquer opinião, não assistiu

à TV, não leu

nenhuma crítica,

nem Look, nem Life.

 

Nenhuma “figura representativa”:

médico rural em Rutherford, Nova Jersey.

Nenhum jantar de gala chez Kennedy:

uma varanda de madeira,

“espalhado como um verde azulado que,

desgastado, descolorido, me agrada mais

do que todas as outras cores”.

 

Para a Academia de Estocolmo

não inteiramente aceitável,

para os repórteres, invendável,

não suficientemente cego para Look,

vivo demais para Life

com seus oitenta anos;

ele percebia mais em seu quintal

do que toda Nova Iorque em doze canais:

 

Galinhas e pessoas doentes,

a luz e a escuridão.

 

Tirava seus óculos:

“As ameixas na geladeira tão doces e frias” e

“O andar trôpego do homem velho catando cocô de cachorro

é mais majestoso

do que aquele do Pastor episcopal no domingo”.

 

Viu a escuridão e a luz,

não esqueceu as galinhas,

foi meticuloso

e peculiarmente animado.

 

Referência:

 

ENZENSBERGER, Hans M. Zum andenken an William Carlos Williams / Em memória de William Carlos Williams. Tradução de Maria Lúcia Verdi e José Marcos Mariani de Macedo. In: RILKE, Rainer Maria et alii. Poesia do mundo III: poesia em alemão. Livreto bilíngue: alemão x português. Introdução de Maria Lúcia Verdi. Brasília, DF: Goethe-Zentrum, 2016. Em português: p. 24; em alemão: p. 25.

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