Enzensberger descreve
de maneira divertida os modos despretensiosos do poeta W.C.W., médico de
formação, pouco ou nada a se importar com a crítica literária profissional,
desobrigado a seguir estritos modelos de escrita, preferindo incursionar pelos
detalhes, lidando com formas e insumos inusitados, sem descuidar de sua
perspectiva objetivista.
Até para ilustrar aquilo
que enfatiza em sua apreciação sobre a vida e a obra do poeta norte-americano, Enzensberger
transcreve, nos derradeiros versos deste memorial, breves seções de dois dos
poemas mais divulgados desse indiscutível mestre da poesia contemporânea, a
saber, “This
is just to say” (“Isto é só para dizer”) e “Pastoral”
(“Pastoral”).
J.A.R. – H.C.
Hans M. Enzensberger
(1929-2022)
Zum Andenken an
William Carlos Williams
In seinem letzten Jahr
war er fast blind,
heiter und sonderbar,
vertrat keine
Ansichten, sah
nicht in die Röhre,
las
keine Rezensionen,
weder Look
noch Life.
Keine “repräsentative
Figur”:
Landarzt in Rutherford,
New Jersey.
Keine Galadiners chez
Kennedy:
eine Holzveranda,
“mit einem Blaugrün
bemalt, das mir,
verwaschen, vergilbt,
besser gefällt
als alle anderen
Färben”.
Für die Stockholmer Akademie
nicht ganz das Richtige,
für die Reporter unergiebig,
für Look nicht
blind genug,
für Life lebendig
mit seinen achtzig
Jahren,
sah er in seinem Hinterhof
mehr
als ganz New York
über zwölf Kanäle:
Hühner und kranke Leute,
das Licht und die Finsternis.
Nahm die Brille ab:
“Die Pflaumen im Eisschrank
so süß und kalt” und
“Der Schritt des Alten,
der Dünger sammelt,
ist majestätischer
als der von Hochwürden
am Sonntag”.
Sah die Finsternis
und das Licht,
vergaß die Hühner
nicht,
war genau
und sonderbar heiter.
William Carlos
Williams
(1883-1963)
Em Memória de William
Carlos Williams
No seu último ano ele
era praticamente cego,
animado e peculiar,
não expressou
qualquer opinião, não assistiu
à TV, não leu
nenhuma crítica,
nem Look, nem Life.
Nenhuma “figura
representativa”:
médico rural em
Rutherford, Nova Jersey.
Nenhum jantar de gala
chez Kennedy:
uma varanda de
madeira,
“espalhado como um
verde azulado que,
desgastado,
descolorido, me agrada mais
do que todas as
outras cores”.
Para a Academia de
Estocolmo
não inteiramente
aceitável,
para os repórteres,
invendável,
não suficientemente
cego para Look,
vivo demais para Life
com seus oitenta anos;
ele percebia mais em
seu quintal
do que toda Nova
Iorque em doze canais:
Galinhas e pessoas
doentes,
a luz e a escuridão.
Tirava seus óculos:
“As ameixas na geladeira
tão doces e frias” e
“O andar trôpego do
homem velho catando cocô de cachorro
é mais majestoso
do que aquele do
Pastor episcopal no domingo”.
Viu a escuridão e a
luz,
não esqueceu as
galinhas,
foi meticuloso
e peculiarmente
animado.
Referência:
ENZENSBERGER, Hans M.
Zum andenken an William Carlos Williams / Em memória de William Carlos
Williams. Tradução de Maria Lúcia Verdi e José Marcos Mariani de Macedo. In: RILKE,
Rainer Maria et alii. Poesia do mundo III: poesia em alemão. Livreto
bilíngue: alemão x português. Introdução de Maria Lúcia Verdi. Brasília, DF: Goethe-Zentrum,
2016. Em português: p. 24; em alemão: p. 25.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário