Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Thomas Merton - O Natal quanto às pessoas

Merton lança mão de alegorias, para realçar o lado mais insensato de se viver a vida num ambiente não fraterno com as pessoas e animais: mesmo o Natal, um período de confraternizações e de reformulações – quer dos planos para os próximos doze meses, quer do próprio modo de ser de cada um –, acaba por se deixar permear por fatos e circunstâncias que lhe são opostos ao espírito.

 

O monge-poeta ironiza o desapreço com que abordamos o tema da espiritualidade: nós, que nos pretendemos “sábios”, não nos damos asas para sairmos do abismo em que nos metemos, para nos tornarmos ponderados e clementes, atentos à palavra e ao sopro do divino, tudo porque bloqueamos a visão à estrela que nos conduz e obstruímos a presença dos anjos, legítimos representantes de estados superiores do ser.

 

J.A.R. – H.C.

 

Thomas Merton

(1915-1968)

 

Christmas as to people

 

Christmas is as Christmas does

And the wide world shudders now with woes.

Dance your Christmas with the bears

You stamp and sear the earth with wars.

For Christmas dinner lick your scars

Philosophize and pick your sores.

 

Wolves’ strange philosophy

Makes them hate the Christmas tree.

Join the wolf to celebrate rage

You shake the bars of a Christmas cage.

 

Our wise men

Have built their den

So no star may shine on them.

The roof is strong, the walls are stout

And barred doors keep the angels out.

Invite the blind owl and the mole

To feed on owl food from their bowl;

For carols they sing theorems

To warm the ashes of their shame.

 

See no more the light of the sun

For in caves there can be none;

And sing no more, sing no more

The thief is at the wintry door.

 

But if the bear

Could shed one tear

Those ragged claws would wound no more.

If the wolf could learn to weep

He’d keep house with cows and sheep.

The sobbing babe could smile and sleep.

 

Thoughtful pen may write this glose (*)

Christmas is as Christmas does.

 

(1939)

 

Banquete de Confraternização

(Jan H. Steen: pintor holandês)

 

O Natal quanto às pessoas

 

O Natal é de acordo com o que dele se faz.

E sob infortúnios o vasto mundo agora estremece.

Dança o teu Natal com os ursos,

Revolve e inflama a terra com guerras.

Durante a ceia do Natal, lambe tuas cicatrizes,

Filosofa sobre tuas feridas, cutucando-as.

 

A estranha filosofia dos lobos

Leva-os a odiar a árvore de Natal.

Junta-te ao lobo para celebrar a fúria,

Sacudindo as barras de uma jaula de Natal.

 

Nossos sábios

Construíram sua toca

Para que nenhuma estrela brilhe sobre eles.

O telhado é firme, as paredes são sólidas

E as portas gradeadas impedem a entrada de anjos.

Convidam a coruja cega e a toupeira

A se alimentarem de comida própria em sua tigela;

Por toadas natalinas, elas cantam teoremas

Para aquecer as cinzas da desonra que carregam.

 

Já não veem a luz do sol,

Pois nas cavernas não pode haver nenhuma;

E não cantam mais, não cantam mais:

O ladrão está à enregelada porta.

 

Mas se o urso

Pudesse derramar uma lágrima,

Aquelas garras hirsutas deixariam de lanhar.

Se o lobo pudesse aprender a chorar,

Cuidaria da casa, com as vacas e as ovelhas.

A soluçante criança poderia sorrir e dormir.

 

Uma ponderada caneta poderia redigir esta glosa:

O Natal é de acordo com o que dele se faz.

 

(1939)

 

Nota:

 

(*). Grafia em francês no original, embora sem itálico (“glose”): em inglês, “gloss” é a grafia associada à palavra “glosa”.

 

Referência:

 

MERTON, Thomas. Christmas as to people. In: __________. The collected poems of Thomas Merton. 1st. publ., 6th. print. New York, NY: New Directions, 1977. p. 696-697.

  


Nenhum comentário:

Postar um comentário