Merton lança mão de
alegorias, para realçar o lado mais insensato de se viver a vida num ambiente
não fraterno com as pessoas e animais: mesmo o Natal, um período de
confraternizações e de reformulações – quer dos planos para os próximos doze
meses, quer do próprio modo de ser de cada um –, acaba por se deixar permear
por fatos e circunstâncias que lhe são opostos ao espírito.
O monge-poeta ironiza
o desapreço com que abordamos o tema da espiritualidade: nós, que nos
pretendemos “sábios”, não nos damos asas para sairmos do abismo em que nos
metemos, para nos tornarmos ponderados e clementes, atentos à palavra e ao sopro
do divino, tudo porque bloqueamos a visão à estrela que nos conduz e obstruímos
a presença dos anjos, legítimos representantes de estados superiores do ser.
J.A.R. – H.C.
Thomas Merton
(1915-1968)
Christmas as to
people
Christmas is as Christmas does
And the wide world shudders now with woes.
Dance your Christmas with the bears
You stamp and sear the earth with wars.
For Christmas dinner lick your scars
Philosophize and pick your sores.
Wolves’ strange philosophy
Makes them hate the Christmas tree.
Join the wolf to celebrate rage
You shake the bars of a Christmas cage.
Our wise men
Have built their den
So no star may shine on them.
The roof is strong, the walls are stout
And barred doors keep the angels out.
Invite the blind owl and the mole
To feed on owl food from their bowl;
For carols they sing theorems
To warm the ashes of their shame.
See no more the light of the sun
For in caves there can be none;
And sing no more, sing no more
The thief is at the wintry door.
But if the bear
Could shed one tear
Those ragged claws would wound no more.
If the wolf could learn to weep
He’d keep house with cows and sheep.
The sobbing babe could smile and sleep.
Thoughtful pen may write this glose (*)
Christmas is as Christmas does.
(1939)
Banquete de Confraternização
(Jan H. Steen: pintor holandês)
O Natal quanto às pessoas
O Natal é de acordo com o que dele se faz.
E sob infortúnios o vasto mundo agora estremece.
Dança o teu Natal com os ursos,
Revolve e inflama a terra com guerras.
Durante a ceia do Natal, lambe tuas cicatrizes,
Filosofa sobre tuas feridas, cutucando-as.
A estranha filosofia dos lobos
Leva-os a odiar a árvore de Natal.
Junta-te ao lobo para celebrar a fúria,
Sacudindo as barras de uma jaula de Natal.
Nossos sábios
Construíram sua toca
Para que nenhuma estrela brilhe sobre eles.
O telhado é firme, as paredes são sólidas
E as portas gradeadas impedem a entrada de anjos.
Convidam a coruja cega e a toupeira
A se alimentarem de comida própria em sua tigela;
Por toadas natalinas, elas cantam teoremas
Para aquecer as cinzas da desonra que carregam.
Já não veem a luz do sol,
Pois nas cavernas não pode haver nenhuma;
E não cantam mais, não cantam mais:
O ladrão está à enregelada porta.
Mas se o urso
Pudesse derramar uma lágrima,
Aquelas garras hirsutas deixariam de lanhar.
Se o lobo pudesse aprender a chorar,
Cuidaria da casa, com as vacas e as ovelhas.
A soluçante criança poderia sorrir e dormir.
Uma ponderada caneta poderia redigir esta glosa:
O Natal é de acordo com o que dele se faz.
(1939)
Nota:
(*). Grafia em francês no original, embora sem itálico (“glose”): em
inglês, “gloss” é a grafia associada à palavra “glosa”.
Referência:
MERTON, Thomas. Christmas
as to people. In: __________. The collected poems of Thomas Merton. 1st.
publ., 6th. print. New York, NY: New Directions, 1977. p. 696-697.
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