Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Margaret Atwood - De Luto pelos Gatos

A escritora canadense explica-nos, no que diz respeito aos efeitos que a morte nos provoca e ao correspondente luto, que não há um senso de igualdade, de manifestação equitativa no sentimento de consternação pela morte dos animais domésticos ou de estimação, senão que este ganha contornos diferenciados, a depender de cada bicho em particular: praticamente nenhum para “aranhas” e “caranguejos”, mas profundo e dolente para cães e gatos.

 

Com efeito, Atwood questiona por que “quase sempre” as pessoas choram pela morte de seus felinos, embora não pela de outras bestas? Mais à frente, pondera que tais lágrimas devem-se à afeição que costumam granjear junto aos humanos, assemelhando-se ao pranto por estes vertido quando perdem os seus filhos.

 

Não sem razão, suas almas – “felpudas e confiantes” – são acolhidas para sempre no coração do seu senhorio: para outros tantos silogismos, na estrofe derradeira do poema, a poetisa – uma notória amante dos gatos – levanta uma série de indagações, com perceptível acento afirmativo, a partir de suas próprias apreensões acerca do que consiste esse apegado convívio.

 

J.A.R. – H.C.

 

Margaret Atwood

 

Mourning for Cats

 

We get too sentimental

over dead animals.

We turn maudlin.

But only those with fur,

only those who look like us,

at least a little.

 

Those with big eyes,

eyes that face front.

Those with smallish noses

or modest beaks.

 

No one laments a spider.

Nor a crab.

Hookworms rate no wailing.

Fish neither.

Baby seals make the grade,

and dogs, and sometimes owls.

Cats almost always.

 

Do we think they are like dead children?

Do we think they are a part of us,

the animal soul

stashed somewhere near the heart,

fuzzy and trusting,

and vital and on the prowl,

and brutal towards other forms of life,

and happy most of the time,

and also stupid?

 

(Why almost always cats? Why do dead cats

call up such ludicrous tears?

Why such deep mourning?

Because we can no longer

see in the dark without them?

Because we’re cold

without their fur? Because we’ve lost

our hidden second skin,

the one we’d change into

when we wanted to have fun,

when we wanted to kill things

without a second thought,

when we wanted to shed the dull grey weight

of being human?)

 

O jogo do gatinho

(Henriette Ronner-Knip: pintora holando-belga)

 

De Luto pelos Gatos

 

Ficamos sentimentais demais

com os animais mortos.

Tornamo-nos piegas.

Mas só com os que têm pelo,

só com os que se parecem conosco,

ao menos um pouco.

 

Aqueles com olhos grandes,

olhos voltados para a frente.

Aqueles com focinhos pequenos

ou bicos modestos.

 

Ninguém pranteia uma aranha.

Nem um caranguejo.

Minhocas não ganham lamentos.

Peixes tampouco.

Bebês-foca chegam lá,

e cachorros, e às vezes corujas.

Gatos quase sempre.

 

Pensamos que são como crianças mortas?

Pensamos que são parte de nós,

a alma animal

guardada em algum lugar perto do coração,

felpuda e confiante,

e vital e à caça da presa,

e brutal para com outras formas de vida,

e feliz na maioria das vezes,

e também burra?

 

(Por que quase sempre gatos? Por que gatos mortos

trazem à tona lágrimas tão ridículas?

Por que tão profundo pesar?

Por que já não conseguimos

enxergar no escuro sem eles?

Por que sentimos frio

sem seu pelo? Por que perdemos

nossa segunda pele oculta,

aquela que vestíamos

quando queríamos nos divertir,

quando queríamos matar

sem pensar duas vezes,

quando queríamos pôr de lado o peso enorme e tedioso

de ser humanos?)

 

Referências:

 

Em Inglês

 

ATWOOD, Margaret. Mourning for cats. In: __________. The door: poems. Boston, MA; New York, NY: Houghton Mifflin Books, 2007. p. 11-12.

 

Em Português

 

ATWOOD, Margaret. De luto pelos gatos. Tradução de Adriana Lisboa. In: __________. A porta. Tradução de Adriana Lisboa. Rio de Janeiro, RJ: Rocco, 2013. p. 19-20.

ö

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