A escritora canadense
explica-nos, no que diz respeito aos efeitos que a morte nos provoca e ao
correspondente luto, que não há um senso de igualdade, de manifestação
equitativa no sentimento de consternação pela morte dos animais domésticos ou de
estimação, senão que este ganha contornos diferenciados, a depender de cada
bicho em particular: praticamente nenhum para “aranhas” e “caranguejos”, mas
profundo e dolente para cães e gatos.
Com efeito, Atwood
questiona por que “quase sempre” as pessoas choram pela morte de seus felinos,
embora não pela de outras bestas? Mais à frente, pondera que tais lágrimas devem-se
à afeição que costumam granjear junto aos humanos, assemelhando-se ao pranto por
estes vertido quando perdem os seus filhos.
Não sem razão, suas
almas – “felpudas e confiantes” – são acolhidas para sempre no coração do seu
senhorio: para outros tantos silogismos, na estrofe derradeira do poema, a
poetisa – uma notória amante dos gatos – levanta uma série de indagações, com perceptível
acento afirmativo, a partir de suas próprias apreensões acerca do que consiste
esse apegado convívio.
J.A.R. – H.C.
Margaret Atwood
Mourning for Cats
We get too
sentimental
over dead animals.
We turn maudlin.
But only those with
fur,
only those who look
like us,
at least a little.
Those with big eyes,
eyes that face front.
Those with smallish
noses
or modest beaks.
No one laments a
spider.
Nor a crab.
Hookworms rate no
wailing.
Fish neither.
Baby seals make the
grade,
and dogs, and
sometimes owls.
Cats almost always.
Do we think they are
like dead children?
Do we think they are
a part of us,
the animal soul
stashed somewhere
near the heart,
fuzzy and trusting,
and vital and on the
prowl,
and brutal towards
other forms of life,
and happy most of the
time,
and also stupid?
(Why almost always
cats? Why do dead cats
call up such
ludicrous tears?
Why such deep
mourning?
Because we can no
longer
see in the dark
without them?
Because we’re cold
without their fur?
Because we’ve lost
our hidden second
skin,
the one we’d change
into
when we wanted to
have fun,
when we wanted to
kill things
without a second
thought,
when we wanted to
shed the dull grey weight
of being human?)
O jogo do gatinho
(Henriette
Ronner-Knip: pintora holando-belga)
De Luto pelos Gatos
Ficamos sentimentais
demais
com os animais
mortos.
Tornamo-nos piegas.
Mas só com os que têm
pelo,
só com os que se
parecem conosco,
ao menos um pouco.
Aqueles com olhos
grandes,
olhos voltados para a
frente.
Aqueles com focinhos
pequenos
ou bicos modestos.
Ninguém pranteia uma
aranha.
Nem um caranguejo.
Minhocas não ganham
lamentos.
Peixes tampouco.
Bebês-foca chegam lá,
e cachorros, e às
vezes corujas.
Gatos quase sempre.
Pensamos que são como
crianças mortas?
Pensamos que são
parte de nós,
a alma animal
guardada em algum
lugar perto do coração,
felpuda e confiante,
e vital e à caça da
presa,
e brutal para com
outras formas de vida,
e feliz na maioria
das vezes,
e também burra?
(Por que quase sempre
gatos? Por que gatos mortos
trazem à tona
lágrimas tão ridículas?
Por que tão profundo
pesar?
Por que já não
conseguimos
enxergar no escuro
sem eles?
Por que sentimos frio
sem seu pelo? Por que
perdemos
nossa segunda pele
oculta,
aquela que vestíamos
quando queríamos nos
divertir,
quando queríamos matar
sem pensar duas vezes,
quando queríamos pôr
de lado o peso enorme e tedioso
de ser humanos?)
Referências:
Em Inglês
ATWOOD, Margaret. Mourning for cats. In: __________. The door: poems.
Boston, MA; New York, NY: Houghton Mifflin Books, 2007. p. 11-12.
Em Português
ATWOOD, Margaret. De luto pelos gatos. Tradução de Adriana Lisboa. In:
__________. A porta. Tradução de Adriana Lisboa. Rio de Janeiro, RJ: Rocco, 2013. p. 19-20.
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